Políticas educativas em Cabo Verde: que prioridades?
Acabo de ler num blog um artigo interessante que apresenta uma série de propostas e sugestões de melhoria no sector da educação. A maior parte delas está consagrada na "nova" Lei de Bases do Sistema Educativo, publicada no ano transacto. De entre as ideias defendidas, duas delas, aparentemente consensuais e indiscutíveis, retiveram a minha atenção e sobre elas passo a tecer breves comentários: a introdução da gestão empresarial nas escolas e a generalização da escolaridade obrigatória para 12 anos.
1. A ideia de transformar as escolas em unidades geridas de forma empresarial não é nova. Porém, não está provado, em parte alguma do mundo, que a gestão empresarial seja adequada para a escola pública, quer em termos de filosofia, princípios e procedimentos adequados à boa administração dos recursos, quer, especialmente, em termos de perspectiva ou de finalidade pretendida, ou seja, a promoção da qualidade da educação, sendo esta qualidade aferida não apenas em função da geração das “utilidades de curto prazo” que a escola pode oferecer para o mercado (um mercado que, no entanto, sofre mudanças constantes, não previsíveis de todo, por maiores que sejam os esforços de adequação dos currículos escolares), mas, essencialmente, em função das perspectivas de preparação para a vida, que não se esgotam na estreita lógica mercadológica.
Admito (e tenho defendido) que a gestão das escolas cabo-verdianas pode ser grandemente melhorada mediante a incorporação crítica de princípios, valores e procedimentos enformadores da chamada "gestão pela excelência" da educação. Porém, chamo a atenção para o enorme risco de se encarar a educação como mais uma "mercadoria" ou "serviço" vendável, na lógica do mercado, mormente quando, para isso, se reclama do poder público mais e mais apoios financeiros para as escolas privadas, chegando-se a ponto de reivindicar que estas tenham o mesmo tratamento que as escolas públicas e, em alguns casos, a defender a privatização da escola pública, em nome de uma alegada performance educacional, aferida segundo critérios de mercado. Além da tentativa de mercadorização do ensino ou da privatização da escola pública, importa chamar a atenção para o facto de que a finalidade última da educação não é (apenas) preparar os indivíduos para o mercado, como se este fosse o único critério válido para aferir a qualidade da educação; a educação deve, isso sim, preparar os indivíduos para a vida (que não se esgota no mercado), dotando-os de conhecimentos, valores e competências que lhes permitam assumir plenamente a sua cidadania e realizarem-se pessoal, profissional e socialmente, para além das contingências do mercado.
2. De há muito venho defendendo a generalização do ensino obrigatório e tendencialmente gratuito para 12 anos. Mantenho esta posição, mas devo advertir para o facto de que a reivindicação deste objectivo, numa perspectiva imediatista, e como um fim em si, pode encerrar uma terrível armadilha, levando a que se massifique não apenas o acesso mas também o défice de qualidade que a educação de massas já apresenta no momento actual.
Antes de se garantir a escolaridade obrigatória de 12 anos - e, porventura, concomitantemente com esse processo de generalização -, devem ser equacionadas e resolvidas questões candentes da educação em Cabo Verde, através de medidas como: (i) a revisão profunda e em toda a linha das políticas e praxis curriculares, incluindo, fundamentalmente, a mudança de paradigmas ao nível das directivas e orientações curriculares, o reforço dos saberes científicos ou do chamado “conhecimento poderoso” nos currículos prescritos (programas, manuais), a promoção da aprendizagem das línguas nacionais e estrangeiras, o reforço dos meios e recursos pedagógicos, a adequação dos mecanismos de acompanhamento e avaliação da performance do processo de ensino-aprendizagem, etc.); (ii) a elevação do nível de qualificação científica e pedagógica dos docentes, de modo a que possam estar à altura dos desafios do alargamento da escolaridade obrigatória, garantindo que esta se realize sem perdas (mas antes com ganhos) de qualidade; (iii) a criação de condições para que os alunos possam dedicar mais tempo à aprendizagem, ultrapassando-se a situação actual, em que os discentes permanecem apenas meio período do dia lectivo na escola (NB: em países avançados, os discentes do ensino básico e secundário permanecem na escola, a estudar, durante os dois períodos diários), o que não permite criar “espaços” de inovação nos currículos, nomeadamente para a aprendizagem de novas línguas, das tecnologias de informação e comunicação, etc. (iv) a formação e a qualificação dos gestores das escolas e a criação de um regime jurídico do gestor da escola pública, orientado, nomeadamente, por critérios de competência, transparência e rigoroso apartidarismo.
Termino com esta nota: o período de campanha eleitoral, que, neste momento, se vive em Cabo Verde, não é o mais adequado para se debater, desapaixonadamente, a educação. Reconhecendo, porém, que esta não pode estar ausente das agendas dos políticos, defendo que as políticas educativas e curriculares sejam pensadas com a máxima seriedade, envolvendo especialistas, agentes educativos, decisores e sociedade civil na definição das opções e prioridades. Havendo sempre muito que fazer no sector da educação, em Cabo Verde e em todas as latitudes, é, no entanto, crucial que se dêem passos acertados, evitando que tais políticas sejam feitas de forma superficial e improvisada ou ditadas apenas por modismos e interesses conjunturais.