O Modelo da Universidade Pública (de Cabo Verde) e os equívocos e contradições de um ex-Ministro da Educação!
Na qualidade de docente universitário, não poderia deixar de chamar a minha atenção o extracto de uma longa entrevista, publicada na edição de 19 de Setembro de um jornal cabo-verdiano, encimado por esta sentença magistral, que corresponde ao respectivo subtítulo: “Modelo de Universidade Pública não serve”. O entrevistado, ex-Ministro da Educação, refere-se à Universidade de Cabo Verde em termos absolutamente negativos, e até mesmo destrutivos, na linha do que já nos habituou.
A falta de credibilidade das críticas bombásticas do ex-Ministro é evidente para quem está a par do que se passa a nível do ensino superior no contexto internacional e no cabo-verdiano, mas pode passar despercebida pelo comum dos eleitores. Daí que, de forma muito breve, eu passe a referir-me aos aspectos essenciais abordados pelo ex-governante no extracto da entrevista.
Em relação ao modelo de Universidade, o entrevistado não se refere às opções matriciais e estratégicas da Uni-CV, como a missão, funções, valores e fins essenciais da mesma, mas apenas ao modelo de estruturação académica da Universidade, afirmando que se aniquilou o modelo de escolas e se optou pelo modelo departamental, o que não corresponde à realidade dos factos, pois ambas as formas de organização da actividade académica, a que acrescem os Centros e os Núcleos, estão presentes na Uni-CV. Com efeito, a Universidade Pública possui já duas Escolas (a Escola de Negócios e Governação e a Escola de Ciências Agrárias e Ambientais) e outras foram previstas, como a Escola de Educação e Artes, que parece aguardar por melhores dias, a par de três unidade orgânicas que, podendo designar-se, nos termos da lei, por faculdades, institutos ou departamentos, tomam esta última designação: Departamento de Ciência e Tecnologia, com sede na Praia; Departamento de Engenharias e Ciências do Mar, com sede em S. Vicente, e departamento de Ciências Sociais e Humanas, com sede na Praia.
Para que fique claro perante o leitor porventura menos informado, nos termos da legislação cabo-verdiana, os departamentos, tal como as faculdades ou institutos definem-se por unidades de ensino, investigação e extensão nos domínios científicos que integram diferentes áreas disciplinares, caracterizadas pela sua proximidade ou afinidade, enquanto as Escolas são unidades de ensino, investigação e extensão nos domínios científicos que agregam áreas de conhecimento com vincada especificidade.
A escolha de uma ou outra forma de estruturação da academia é algo que varia entre as Universidades, não sendo, de per si, o factor determinante da validade do modelo de Universidade, que integra muitas valências, em termos de opções e, sobretudo, de práxis!
Mas a contradição fatal do ex-Ministro reside nas suas considerações sobre as prioridades de formação na Universidade Pública. Confrontado com o facto de a Uni-CV ter conferido, recentemente, o grau de doutor a quatro estudantes, o entrevistado responde que este “é um exemplo acabado da falta de prioridades”, posto que se ainda se tem “necessidade de se produzir bons licenciados” (e, como diz, “licenciado não pode estar a formar licenciado”), não se pode ter “a veleidade de produzir bons doutores”. Ora bem: como acha o ex-governante que se pode formar bons licenciados senão mediante a elevação do grau académico dos docentes, nomeadamente através da aposta na formação doutoral?
É certo que, num certo momento da entrevista, o ex-Ministro reconhece desconhecer os meandros desta formação doutoral, nomeadamente se existem “competências e estruturas de investigação que possam justificar e dar credibilidade a um grau de doutoramento” na Uni-CV. Pois bem: se desconhece os factos essenciais, deveria ficar calado, evitando cair, ridiculamente, nessa contradição insanável!
Para esclarecimento do leitor menos informado, a Uni-CV tem apostado na formação avançada (de mestres e doutores), internamente e ou no estrangeiro, mediante o desenvolvimento de parcerias com diversas e prestigiadas instituições universitárias, sendo a formação dos doutores referidos na entrevista em apreço concebida e organizada em parceria com duas renomadas universidades belgas.
No âmbito da formação avançada, a Universidade Pública não só tem prosseguido o desiderato de elevar o número dos seus docentes habilitados com os graus de Mestre e Doutor (o que a faz colocar-se na vanguarda das instituições do ensino superior cabo-verdianas, como o têm demonstrado as estatísticas oficiais), mas também contribuir para a elevação da qualidade de pessoal docente das demais instituições e para a elevação do número de quadros altamente especializados para outros sectores de actividade relevantes para o desenvolvimento do país, correspondendo, de resto, à sua missão estatutária.
Praia, 23 de Setembro de 2012.
Bartolomeu Varela
Docente e investigador