Na sequência da publicação do Decreto-Lei nº 20/2012, de 19 de Julho, que estabelece o regime jurídico das instituições do ensino superior de Cabo Verde, foi publicado no Boletim Oficial o Decreto-Lei nº 22/2012, de 7 de Agosto, que aprova o regime jurídico de Graus e Diplomas no Ensino Superior.
Este diploma, que complementa o anterior, vem desenvolver as opções gerais contidas na Lei de Bases relativamente aos graus e diplomas conferidos no ensino superior em Cabo Verde, instituindo regras e procedimentos a que devem obedecer a criação, a organização, a gestão e a certificação dos ciclos de estudos e, em particular, a atribuição e o reconhecimento dos graus e diplomas.
Ao fazê-lo, este Decreto-Lei segue de perto o diploma que regula a matéria em Portugal, sendo, contudo de salientar, como aspectos que marcam a diferença em relação à legislação portuguesa o destaque conferido aos cursos de estudos superiores profissionalizantes, algumas cautelas em relação ao período de duração das licenciaturas e a introdução de algumas das inovações mais relevantes que se encontram em voga no plano internacional, em particular na Europa.
De entre essas inovações, cabe referir, antes de mais, a opção pela abordagem por competências, muito presente nos discursos e nas políticas sobre o ensino superior, mas também alvo de muito polémica no mundo académico.
Importa salientar que a passagem para o paradigma da abordagem por competências implica, designadamente: (i) a mudança profunda das prescrições práxis curriculares, assim como dos contextos e meios de aprendizagem; (ii) um forte investimento na formação dos docentes para se adaptarem aos novos desafios de realização dos currículos e de sua avaliação; (iii) a superação dos hábitos e modos tradicionais de aprendizagem dos alunos (fortemente marcados pela “cultura dos apontamentos” com que entram no ensino superior).
Outra inovação consiste na introdução, ainda que com carácter facultativo do sistema de créditos, com a pretensão de promover a criação das condições que favoreçam a comparabilidade de graus e diplomas cabo-verdianos no plano internacional, em especial no “Espaço Europeu de Ensino Superior”, que o Processo de Bolonha visa promover, no quadro da estratégia para o desenvolvimento da competitividade do continente no plano mundial e, em particular, em relação aos EUA.
Para além da promoção da cooperação entre as instituições que compõem o espaço de ensino superior cabo-verdiano e de outros espaços internacionais, a opção pelos créditos é susceptível de viabilizar a mobilidade dos estudantes, que é, de resto, uma das vertentes decisivas do processo de internacionalização solidária da educação superior. Em termos práticos, permite que os estudantes disponham de oportunidades de, ao longo do seu processo de formação, escolherem diferentes instituições, em Cabo Verde ou noutro país, para realizarem, durante um certo período de tempo, uma parte do respectivo ciclo de estudos.
Mas a mobilidade pressupõe um forte investimento na qualidade da formação, de modo a que se logre uma preparação efectiva dos estudantes (domínio de conhecimento científico, competência linguística, capacidade de adaptação a contextos mais exigentes de aprendizagem), condição necessária para que a própria mobilidade constitua uma oportunidade de permuta de saberes e de acesso a uma aprendizagem de alta qualidade.
Por outro lado, a mobilidade não só exige um certo grau de aproximação curricular, para obviar a integração dos estudantes em outros contextos de aprendizagem, como uma gestão flexível dos currículos, de modo a que o período de mobilidade não se traduza em prejuízos na progressão dos estudantes na IES de origem.
Há questões críticas que se colocam quando se aborda o sistema de créditos: (i) a efectiva e adequada utilização pelos estudantes do tempo que lhes é creditado para o estudo independente, desafio tanto maior quanto se sabe que não são poucas as dificuldades evidenciadas pelos estudantes neste domínio, de entre as quais se incluem os défices de competências a nível da Língua Portuguesa e das Metodologias de Estudo, a que acresce a falta de hábitos de leitura complexa; (ii) a disponibilidade efectiva de meios e recursos tecnológicos de auto-aprendizagem, designadamente o computador e a Internet, fora dos espaços físicos das IES, sem esquecer a necessidade de espaços adequados (salas de estudo, bibliotecas, etc.) que permitam a permanência dos estudantes nas IES além do habitual meio período de aulas (o que leva à necessidade de equacionar também a problemática da diversidade de públicos no ensino superior, nomeadamente de trabalhadores-estudantes).
A estas duas “inovações” acresce a circunstância de que o diploma em apreço vem uniformizar, em Cabo Verde, as normas de procedimento para o registo e a publicação dos ciclos de estudos autorizados, que passam a ser aplicáveis às IES públicas e privadas, superando, assim, a dualidade de critérios legais vigentes.
Concluindo,
Apesar da flexibilidade nalgumas das suas opções, o presente diploma apresenta grandes desafios às IES cabo-verdianas, aos seus órgãos dirigentes e de gestão académica, aos estudantes e aos docentes. Haverá que fazer face a profundas mudanças nos currículos dos cursos e nos modos de trabalho pedagógico no ensino superior; tornar-se-á necessário um maior investimento na formação dos docentes; será incontornável o reforço dos meios e recursos de suporte à aprendizagem, etc.
Entretanto, para mais pormenores, remeto para o texto do diploma publicado no Boletim Oficial, através do link
Bartolomeu Varela