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Excelência Educativa em Cabo Verde

Esta é uma página aberta a todos os que encaram a educação como uma construção permanente e que se dispõem a contribuir para a sua excelência!

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Sistema educativo: conceito, características e evolução. O caso cabo-verdiano

Sistema educativo: conceito, características e evolução. O caso cabo-verdiano*


Para melhor elucidarmos o conceito e as características do Sistema Educativo, torna-se necessário rever alguns conceitos básicos da Teoria Geral dos Sistemas, o que fazemos de forma necessariamente sucinta e nos aspectos reputados como indispensáveis, seguindo de perto Lauzan (1987)**.


1. Conceito de Sistema

O conceito de sistema faz parte da base conceptual de uma parte da Cibernética1 que se denomina Teoria Geral de Sistemas, cujo objectivo é relacionar entre si a grande variedade de sistemas existentes de maneira a descobrir suas propriedades e desenvolver um referencial teórico que possa ser aplicável a todos eles. Entretanto, há certos grupos específicos de objectos ou fenómenos da realidade que, pelas suas características particulares, exigem abordagens específicas e não unicamente no quadro da teoria geral dos sistemas. Assim pode falar-se de sistemas biológicos, sociais, organizativos, electrónicos, etc., cujos estudos ficam a cargo de ramos específicos da teoria geral.

O conceito de sistemas tem sido formulado de modo diferente pelos especialistas, entre os quais não há unanimidade sobre a sua definição. Alguns defendem que, por se tratar de um conceito intuitivo, não carece de definições. Todavia, é possível encontrar pontos comuns nas diferentes posições e, desta forma, formular uma ideia básica acerca do que são os sistemas. Assim, de quase todas as definições resulta a ideia de que sistema é um conjunto organizado e integrado de elementos que concorrem para o mesmo fim.

Numa abordagem mais elaborada, diremos que sistema é um conjunto de elementos, que, possuindo propriedades ou atributos específicos, estabelecem relações entre si e com o meio ambiente, gerando sinergias e contribuindo para o mesmo fim. O sistema é assim esse conjunto de elementos, propriedades, relações que, pertencendo à realidade objectiva, representa para o investigador o objecto do seu trabalho. O aspecto mais importante reside em que o sistema constitui um todo e, portanto, apresenta como resultado final ou integrado determinadas propriedades que não é possível localizar de forma isolada em nenhuma das suas componentes (efeito sinergético). Todo esse complexo de elementos, propriedades, relações e resultados finais tem lugar em determinadas condições de espaço e tempo e em contacto com um meio ambiente.

2. Conceitos básicos inerentes à noção de Sistema

Precisemos alguns conceitos básicos ligados ao conceito de sistema, tal como o definimos acima:
- Elementos: São as partes que compõem o sistema. São ilimitadas na sua variedade: átomos, peças de viatura ou máquina, pessoas, departamentos, corrente, variáveis matemáticas, etc. Definem-se em função dos objectos de estudo.
- Relações: São os vínculos que se estabelecem entre os elementos (do sistema) e que permitem que estes se mantenham unidos e formem o sistema. Assim, num sistema dado, não interessam todos os vínculos mas aqueles que respondam ao objecto de estudo. Exemplo: a relação “dependência hierárquica” resulta muito importante para o estudo de um sistema do ponto de vista organizativo, mas pode ter escasso interesse para o estudo do mesmo sistema do ponto de vista financeiro.

- Atributos: São aquelas propriedades dos elementos e das relações que permitem definir os sistemas em função do objectivo pretendido com o estudo (idade ou anos de experiência; funções, energia velocidade, etc.). Exemplo: a propriedade “anos de experiência como professor” pode ser muito importante para o estudo relacionado com o sistema de promoção, embora possa não ter valor nenhum para o estudo da saúde desse professor.

- Efeito sinergético: É o efeito que se consegue num sistema quando este apresenta propriedades de conjunto que não surgem como resultado da simples soma das propriedades dos seus elementos mas sim como produto ou resultado da interacção e integração de todos eles no tempo e no espaço. Exemplo: um relógio tem como propriedade marcar a hora, propriedade essa que não corresponde a nenhuma de suas peças em particular, mas, quando todas essas peças se relacionam entre si de determinada maneira e actuando cada uma no momento que lhe diz respeito, são capazes, como um todo, de obter tal propriedade, que é a de marcar a hora. Se se desarma o relógio, juntando as suas peças de qualquer maneira, ter-se-ia a soma de todas elas mas incapaz de marcar a hora.
- Meio ambiente: É tudo o que tem ligação com o sistema objecto de estudo mas não faz parte integrante dele. Entre o sistema e o meio ambiente há um intercâmbio de informação, dinheiro, energia, materiais, desejos, etc. [1]

2. Subsistemas

Um dado subsistema pode ser constituído por vários elementos ou subsistemas.

Entende-se por subsistema qualquer sistema que, para efeitos práticos, convém estudá-lo como parte de um sistema maior. Por exemplo: a educação superior pode ser estudada como subsistema, se se quiser enfatizar que é um subconjunto do Sistema Educativo Nacional, ou como sistema, se não é necessário destacar esse aspecto para efeitos da análise que se efectua e dos objectivos pretendidos.
Todavia, no âmbito de um mesmo estudo é possível empregar-se ambas as abordagens (de subsistema e de sistema).

3. Relações entre o sistema e o seu meio ambiente

As relações entre um dado sistema e seu ambiente são de dois tipos:
a) As do meio ambiente para o sistema (magnitudes de entrada ou inputs);
b) As do sistema para o meio ambiente (magnitudes de saída ou outputs).

As magnitudes de entrada (Me), conhecidas também como causa exterior, perturbação, acção, estímulo, inputs, etc., constituem a forma como o meio ambiente actua sobre o sistema, provocando determinados efeitos.
As magnitudes de saída (Ms), conhecidas também como efeito de perturbação, reacção, resposta, outputs, etc., constituem a forma em que o sistema actua sobre o meio ambiente, ou seja, a maneira como o meio é afectado pela actuação do sistema.

4. Classificação dos sistemas

A classificação dos sistemas em categorias ou grupos mostra-se de grande utilidade, posto que permite identificar de forma sucinta as características dos objectos ou fenómenos que se estudam a partir da teoria geral de sistemas
A seguir se apresenta uma classificação dos sistemas atendendo a diferentes critérios:

a) Tendo em conta a sua relação com o meio ambiente, um sistema pode ser:
- Fechado, quando visto como isolado totalmente do meio;
- Aberto, quando se considera todas as suas relações com o meio;
- Semiaberto, se se considera apenas uma parte de suas relações com o meio.
b) Em relação à sua estrutura, um sistema pode ser:
- Simples, se se compõe de um pequeno número de partes, cujas inte-relações e propriedades têm um comportamento bastante elementar;
- Composto, quando se estrutura em vários sistemas (subsistemas) que, por sua vez podem ser decompostos em outros níveis inferiores de análise. Possui numerosas relações internas e externas e um sistema amplo de hierarquias. Seus elementos, grupos de elementos e subsistemas apresentam uma ampla gama de propriedades que formam uma rede. Seu dinamismo é geralmente alto;

c) Quanto à sua previsibilidade, o sistema pode ser:
- Determinístico, quando suas saídas (outputs) podem ser estabelecidas de forma inequívoca a partir da quantidade e qualidade de suas entradas;
- Probabilístico, se o sistema é afectado por factores imprevisíveis ou limitadamente previsíveis, que impedem estabelecer inequivocamente suas saídas como uma função de suas entradas;

d) No que tange ao dinamismo, um sistema é:
- Estático, se não varia no tempo ou se suas variações no tempo são insignificantes para efeitos do estudo que se vai realizar;
- Dinâmico, se para efeitos do estudo, são consideradas todas ou algumas de suas variações no tempo;

e) Quanto à sua capacidade de regulação, o sistema pode ser:
- Auto-Regulado, quando possui capacidade própria de governação/regulação;
- Não auto-regulado, quando depende totalmente do meio para sua gestão ou regulação.

f) Em relação à sua origem, o sistema pode ser:
- Natural, se surge na natureza;
- Artificial, se é criação do homem;

g) Quanto às suas componentes, o sistema é:
- Físico, quando é formado por elementos materiais;
- Social, se é constituído por pessoas;
- Procedimental (ou de procedimentos), se é formado por regras, normas ou instruções;
- Conceptual, se é formado por ideias, raciocínios.

2. Conceito e características gerais dos sistemas educativos

2.1. Conceito de sistema educativo

Entendendo um sistema como um conjunto de elementos organizados para a prossecução do mesmo fim, o sistema educativo[2] pode ser definido como um conjunto integrado de estruturas, meios e acções diversificadas que, por iniciativa e sob a responsabilidade de diferentes instituições e entidades públicas, particulares e cooperativas, concorrem para a realização do direito à educação num dado contexto histórico[3].

Dito de outro modo, o sistema educativo vem a ser um conjunto de estruturas e instituições educativas que, embora possuam características ou peculiaridades específicas, relacionam-se entre si e com o meio ambiente envolvente de forma integrada e dinâmica, combinando os meios e recursos disponíveis para a realização do objectivo comum que é garantir a realização de um serviço educativo que corresponda, em cada momento histórico, às exigências e demandas de uma sociedade.

A condução e a coordenação da política relativa ao sistema educativo, independentemente das instituições que o compõem, incumbem ao ministério especialmente vocacionado para o efeito: o ministério da educação.


2.2. Características gerais dos sistemas educativos

Tendo em conta os critérios de classificação geral dos sistemas, acima enunciados, podemos caracterizar os sistemas educativos da seguinte forma:

a) Por sua relação com o meio – o sistema educativo é um sistema aberto, pois está em plena relação com o meio envolvente. NB: Não deve confundir-se a natureza aberta do sistema educativo com o estilo de gestão de uma instituição educativa (gestão aberta, semiaberta ou fechada);
b) Atendendo à sua estrutura– é um sistema composto, pois que integra outros sistemas (subsistemas) que, por sua vez podem ser decompostos em outros níveis inferiores de análise;
c) Quanto à sua previsibilidade – é um sistema probabilístico, na medida em que é afectado por factores imprevisíveis ou limitadamente previsíveis, que impedem estabelecer inequivocamente que determinados inputs ao sistema provocarão efeitos certos e determinados;
d) Por seu dinamismo, é um sistema dinâmico, visto que, para efeitos de seu estudo, são consideradas todas ou algumas de suas variações no tempo. Evolui consoante o contexto (espaço-temporal, socio-cultural, etc.);
e) Por sua estabilidade, é um sistema relativamente estável, posto que tem uma capacidade média de resistência aos factores de perturbação ou inputs externos;
f) Por sua capacidade de regulação, é um sistema ecléctico (um misto de sistema “auto-regulado” e de sistema “não auto-regulado”), ou seja: tem certa capacidade própria de governação/regulação mas não deixa de depender grandemente do meio para sua gestão ou regulação;
g) Quanto à sua origem, é um sistema artificial, posto que é obviamente criado pelo homem;
h) Por suas componentes, é um sistema social, visto que está constituído por pessoas;
i) Por sua forma de regulação, é um sistema conceptual (Está formado por ideias, raciocínios) e de procedimentos (Está formado por regras, normas ou instruções).



3. Aspectos da evolução do sistema educativo cabo-verdiano[4]

Como qualquer outro, o sistema educativo cabo-verdiano, enquanto parte integrante do sistema social, é por natureza dinâmico. Evolui ou deve evoluir em função das mudanças operadas na sociedade. Quando o sistema político não acompanha a evolução da sociedade ou do sistema social em que se integra, esse sistema político entra irremediavelmente em crise.

Acompanhando o percurso histórico da sociedade cabo-verdiana, podemos encarar a educação em Cabo Verde em função de duas grandes etapas:

a etapa colonial, em que a educação em Cabo Verde fazia parte integrante do sistema educativo português;
a etapa pós independência nacional, em que é, paulatinamente, edificado um sistema educativo cabo-verdiano, baseado em pressupostos, estrutura, objectivos e normas próprios de um estado soberano e apostado no desenvolvimento económico e social do país.

Cada uma das grandes etapas pode, por sua vez, subdividir-se em várias outras, em função das particularidades históricas que marcaram a evolução da sociedade cabo-verdiana.

3.1. A etapa colonial

Assim, na etapa colonial, as características da educação em Cabo Verde foram conhecendo variações importantes em função das mutações políticas, sociais, económicas e culturais que se foram registando no sistema colonial português. Com efeito, a educação praticada na sociedade colonial escravocrata não podia ter as mesma características que a implantada após a extinção da escravatura ou ainda por ocasião da implantação da república em Portugal.

Em todo o caso, um elemento comum que caracterizava a educação em Cabo Verde ao longo da etapa colonial consistia no facto de que lhe eram inerentes os mesmos pressupostos filosóficos e políticos em que se baseava o sistema educativo adoptado pelo estado colonial português: era uma educação ao serviço dos interesses da potência colonial portuguesa e, portanto, defensora da ordem colonial instituída.

Ao sistema educativo colonial herdado eram inerentes os seguintes traços essenciais: uma educação instrumentalizada politicamente pelo poder colonial, cujos princípios, valores e objectivos orientavam o ensino praticado nas escolas cabo-verdianas; uma educação alienada, porque não alicerçada na realidade cabo-verdiana e, logo, inadaptada às condições físicas, geográficas, humanas, económicas e culturais de Cabo Verde; uma educação altamente selectiva, a que se tinha acesso em função e na medida da necessidade de defesa e reprodução da ordem colonial portuguesa; uma educação altamente discriminadora e elitista, que oferecia escassas oportunidades às camadas mais desfavorecidas da sociedade cabo-verdiana; um ensino essencialmente teórico e, como tal, desfasado da vida e da prática social; uma educação centrada nas quatro paredes da sala de aula, desligada da comunidade...

Caracterizando um pouco o sistema de ensino praticado na época colonial, assim dizia o então Primeiro Ministro Pedro Pires em 1997 [5]:
“...Pelo ensino então ministrado não conhecíamos a nossa terra mas conhecíamos bem Portugal não conhecíamos o nosso continente, mas conhecíamos bem o continente europeu e eu até hoje me lembro bastante bem dos rios, dos caminhos de ferro de Portugal, Europa, etc. Mas quanto a Cabo Verde pouco conhecia da nossa realidade e mal conhecíamos as povoações mais importantes desta ou daquela ilha”
...Éramos formados para servir mais fora de Cabo Verde do que servir em Cabo Verde e servir Cabo Verde...”
...A outra Escola formava homens (...) que tinham um certo horror pelo trabalho manual (...) e tinham certo desprezo, talvez eu esteja a exagerar, pelos trabalhadores, por aqueles que não tinham este ou aquele ano de liceu”...

Entretanto, apesar de a educação colonial se ter revelado inadequada à realidade e às expectativas da nação cabo-verdiana, que viria a entrar em ruptura com o poder colonial, erigindo-se em Estado, de modo a procurar novos paradigmas de sua afirmação e realização, podem extrair-se aspectos positivos e ou ilações do sistema de ensino anterior à independência, susceptíveis de ajudar a equacionar os problemas com que o país se defronta actualmente, ma perspectiva da modernização e elevação da qualidade de ensino. De entre esses aspectos ou ensinamentos positivos, podem apontar-se:

a) O facto de as metodologias tradicionais de ensino, nomeadamente as de iniciação à leitura e escrita e ao cálculo, serem acessíveis aos professores, que as podiam aplicar sem grandes dificuldades, e bem assim à generalidade da população letrada, que assim podia colaborar, muitas vezes até precocemente, na alfabetização e iniciação à aritmética das crianças. Pelo contrário, a modernização dos métodos de ensino, em contexto de grande massificação do ensino, não foi acompanhada de uma adequada e massiva formação de professores que, em grande número, não dominam esses métodos, com implicações negativas no desenvolvimento das aprendizagens básicas. Quanto à população (às famílias), é evidente a maior dificuldade em colaborar no processo de aprendizagem das crianças, por via da maior inacessibilidade dos métodos de ensino-aprendizagem. Ora, a socialização destes é condição importante para uma colaboração mais efectiva das famílias no processo educativo;

b) A circunstância de, nessa época, poder encontrar-se o núcleo essencial das competências e dos saberes em um número restrito de manuais, de textos não necessariamente longos, o que facilitava a apreensão dos conteúdos programáticos essenciais. É claro que este facto estimulava a “memorização” dos conteúdos, em detrimento do desenvolvimento da capacidade de análise e de posturas activas no processo de aprendizagem, mas deve ter-se em conta que a estimulação do campo cerebral da memória é algo de suma importância, que deve acompanhar o processo de aprendizagem em todos os contextos modernos de aprendizagem.[6];

c) O facto de os manuais de outrora, especialmente os de língua portuguesa, darem devida importância à agora chamada “educação para valores” (valores morais, éticos e cívicos), o que nem sempre se alcança de muitos textos dos “manuais da reforma”...

3.2. A etapa pós Independência

3.2.1. Estruturação

“Com a conquista da independência nacional, a Educação atinge uma nova dimensão, como instrumento activo de transformação das estruturas e relações sociais e de reconversão das mentalidades, numa perspectiva de integração no processo de desenvolvimento global e harmonioso do país”.[7]

Com a Independência Nacional, preconiza-se a “implantação progressiva de um novo sistema de ensino consentâneo com os objectivos da Reconstrução Nacional, isto é, a liquidação da miséria, a elevação progressiva do nível de vida e a libertação de todas as formas de exploração e dependência, visando criar uma Pátria livre, independente e progressista”.2

O sistema de ensino inicialmente implantado apresentava uma estrutura em que se evidenciam, fundamentalmente: o ensino primário, de 4 anos, da 1ª à 4ª classes, precedido de uma incipiente educação pré-escolar, que sucede à outrora chamada “classe pré-primária”[8]; o ensino liceal ou secundário de 7 anos, sendo os dois primeiros constituindo o chamado ciclo preparatório, a que se seguiam o curso geral dos liceus (3 anos) e o curso complementar dos liceus (dois anos). O ensino superior não era inicialmente ministrado em Cabo Verde mas exclusivamente no exterior. Em contrapartida, a educação extra-escolar ganha corpo logo no período de transição para a Independência, com o movimento nacional da alfabetização e educação de adultos.

A partir das conclusões e recomendações do Encontro Nacional de Quadros da Educação realizado em 1977, na cidade de Mindelo, vai-se avançando na senda do aperfeiçoamento do sistema educativo. Assim, o ensino básico irá abranger dois níveis, sendo o nível elementar da 1ª à 4ª classes, e o nível complementar (EBC), referente à 5ª e 6ª classes. Consequentemente, o ensino secundário passará a ser de 5 anos, com dois níveis: o primeiro, de 3 anos, correspondendo ao curso geral dos liceus (ensino secundário básico) e o segundo, de 2 anos, compreendendo o curso complementar dos liceus (ensino secundário complementar).

Entretanto, vão sendo criados embriões do que serão futuras instituições de ensino superior: pelo Decreto nº 70/79, de 28 de Julho, é formalizada a criação do Curso de Formação de Professores do Ensino Secundário, que mais tarde irá dar lugar ao actual Instituto Superior de Educação; o Centro de Formação Náutica irá evoluir para o actual Instituto Superior da Engenharia e Ciências do Mar…

Assim, em finais de 1990, quando é aprovada a lei de bases do sistema educativo, este passa a incluir o subsistema do ensino superior, assumindo a configuração que basicamente ainda subsiste.


3.2.2 Princípios, objectivos e valores

Na senda do Encontro Nacional de Quadros da Educação de 1977, e retomando os princípios então propostos para o novo sistema de ensino, o III Congresso do PAIGC, do mesmo ano, reforçava a orientação segundo a qual “ a Educação deve estar estreitamente ligada ao trabalho e ter por finalidade o desenvolvimento de conhecimentos, qualificações e valores que permitam ao estudante inserir-se na sua comunidade e contribuir para a sua melhoria permanente”[9].

Tal como se enuncia no II Congresso do PAICV (1983), o novo sistema educativo baseia-se, assim, em princípios como:
a) a universalidade da educação – esta deve ser acessível a todos os membros da sociedade;
b) a integração da educação no processo de desenvolvimento nacional;
c) a funcionalidade da educação – esta deve integrar a teoria e a prática, ligar o trabalho intelectual ao manual; deve proporcionar conhecimentos, promover atitudes e desenvolver competências necessárias à vida
d) o reforço da identidade cultural [10].

Definidos em documentos políticos adoptados desde os primeiros anos da Independência, os objectivos do novo sistema educativo viriam a ser fixados, do seguinte modo, no ordenamento jurídico cabo-verdiano, em 1990, ao se proceder à aprovação da lei de bases do seguinte educativo[11]:

a) Promover a formação integral e permanente do indivíduo, numa perspectiva universalista;
b) Formar a consciência ética e cívica do indivíduo;
c) Desenvolver atitudes positivas em relação ao trabalho e, designadamente, à produção material;
d) Imprimir à formação uma valência científica e técnica à formação, que permita a participação do indivíduo, através do trabalho, no desenvolvimento socio-económico do país;
e) Promover a criatividade, a inovação e a investigação como factores de desenvolvimento;
f) Preparar o educando para uma constante reflexão sobre os valores espirituais, estéticos, morais e cívicos e proporcionar-lhe um equilibrado desenvolvimento físico;
g) Reforçar a consciência e a unidade nacionais;
h) Estimular a preservação e a reafirmação dos valores culturais e do património nacional;
i) Contribuir para o conhecimento e o respeito dos Direitos do Homem e desenvolver o sentido de tolerância e solidariedade;
j) Fomentar a participação das populações na actividade educativa.

Desde a Independência e tal como está consagrado nos documentos fundamentais[12] por que se tem orientado a educação em Cabo Verde, o sistema educativo promove valores como: a liberdade, o patriotismo, a independência nacional, a unidade nacional, a democracia e a participação popular, a cultura nacional, o trabalho, o progresso, o bem-estar e a justiça social,
a solidariedade internacional, a igualdade dos indivíduos perante a lei, a defesa dos direitos humanos e direitos fundamentais do homem...

3.2.3 A Educação na I e na II Repúblicas

Ao longo da Independência, o sistema educativo cabo-verdiano tem conhecido um processo de construção, afirmação e aperfeiçoamento, quer em termos de medidas de política, quer no que respeita à sua configuração normativa e orgânica, quer ainda em termos de funcionamento e gestão.

As alterações de fundo no sistema político cabo-verdiano não se devem fundamentalmente à passagem da chamada I República à II República[13] mas sim a um esforço de adequação permanente do ensino às exigências decorrentes de uma sociedade em rápidas e profundas mutações. Na verdade, as principais inovações e medidas introduzidas na II República no âmbito do ensino já haviam sido concebidas, aprovadas ou mesmo ensaiadas na I República, havendo assim uma evolução natural, praticamente sem rupturas.

Entretanto, assiste-se, rapidamente, a uma grande massificação do acesso ao ensino a diversos níveis, de que são expressão o alargamento da escolaridade básica e obrigatória de quatro para seis anos, o crescimento exponencial dos efectivos do ensino secundário, o que se irá repercutir no aumento da procura e da oferta de ensino superior.

Por outro lado, com a I República verifica-se uma subtil e importante mudança em termos de fonte formal de legitimação do sistema educativo, com implicações na mudança de discurso político e do quadro referencial de orientações em matéria de política educativa.

Com efeito, na chamada I República, as directivas fundamentais do Estado (incluindo as relativas ao sistema de ensino) inspiravam-se nas linhas de orientação traçadas pelo partido no poder, que era a “força política dirigente da sociedade e do Estado”[14] (sistema de monopartidarismo).

“...A nossa Escola não é apolítica nem neutra” – dizia, em 1977, o Primeiro Ministro de Cabo Verde; “ela deve reflectir as preocupações do nosso Governo, a linha política do nosso Partido, o P.A.I.G.C.. E também deve reflectir as preocupações de toda a humanidade progressista de hoje”[15]...

Com o advento da II República, consumou-se a separação partido/estado, adaptando-se o funcionamento do Estado e, por consequência, do sistema educativo à circunstância de Cabo Verde passar a ser um “Estado de Direito Democrático”[16], cuja actuação se processa na base na legalidade instituída por órgãos de soberania saídos de eleições pluralistas (sistema de multipartidarismo)...

4. Actualidade e perspectivas

4.1. Documentos referenciais da Política Educativa

A Política Nacional da Educação vem a ser um conjunto de decisões, orientações e medidas de política pelas quais se deve orientar o funcionamento e o desenvolvimento do sistema educativo cabo-verdiano, com a finalidade de dar resposta às exigências da sociedade em matéria de formação e qualificação de recursos humanos.

Baseando-se nos preceitos constitucionais aplicáveis, a política nacional da educação está consubstanciada, actualmente, num conjunto de documentos estruturantes, cuja leitura atenta aconselhamos:
- A Constituição de Cabo Verde de 1992 (na revisão de 1999);
- Programa do Governo para a VII Legislatura (2006-2011);
- Grandes Opções do Plano (Lei nº 8/VI/2002, de 11 de Março).
- Plano Nacional de Educação para Todos (2002-2010);
- Plano Estratégico para a Educação (2002-2015);
- Plano Estratégico de Formação Profissional (2006-2011)...

4.2. Princípios fundamentais das reformas educativas

À escala planetária, o direito à educação tem vindo a ser defendido e promovido como um dos mais importantes Direitos Humanos, encontrando-se consagrado no ordenamento constitucional de numerosos países como um Direito Fundamental dos cidadãos.

Na verdade, a massificação da educação, enquanto fenómeno mundial, deriva do reconhecimento da educação/formação como uma condição imprescindível ao progresso material e espiritual das sociedades, ou, dito de outro modo, como uma exigência incontornável para a promoção de um efectivo desenvolvimento humano.

Cabo Verde não tem estado alheio ao fenómeno da massificação do ensino e aos desafios que coloca, sendo disso expressão, na actualidade, um conjunto de decisões de política educativa que vêm sendo implementadas, tendo por paradigma a garantia do acesso equitativo aos diversos níveis de ensino de forma sustentável e com elevado nível de qualidade.

Efectivamente, a democratização do acesso não é nem deve ser considerada um fim em si mesmo: uma educação pautada pela excelência surge como um enorme desafio, neste momento em que, além de nos preocuparmos com a garantia do acesso equitativo à educação, nos propomos igualmente assegurar o acesso equitativo a uma educação de qualidade e socialmente pertinente.

É evidente que, sobretudo em países com graves limitações em termos de recursos (humanos, materiais, financeiros, tecnológicos), como Cabo Verde, a garantia de uma educação pautada pela excelência apresenta outro desafio, que é o da sua sustentabilidade, que abordamos aqui, sobretudo, na perspectiva restrita de financiamento das políticas educativas.

Assim, e na esteira, aliás, das opções que têm marcado os processos de reforma educativa à escala mundial, alguns princípios apresentam-se-nos como inelutáveis:

a) Princípio da responsabilização financeira do Estado, entendido no sentido da satisfação dos encargos públicos exigíveis na efectivação do direito à educação e ao ensino e no da maximização das capacidades existentes, com a consequente arbitragem das prioridades na expansão dos diferentes níveis de ensino;

b) Princípio da co-gestão, que se traduz na comparticipação da sociedade no financiamento e no controlo social da educação, que deve, aliás ser assumida como tarefa de toda a sociedade e não exclusiva do estado;

b) Princípios da igualdade e da democraticidade, traduzidos no direito conferido aos cidadãos de, segundo as suas capacidades, acederem aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística, sem restrições de natureza económica ou outra;

c) Princípio da universalidade, entendido como o direito de acesso de todas as instituições e de todos os estudantes aos mecanismos de financiamento público previstos na lei;

d) Princípio da justiça, entendido no sentido de que ao Estado e aos estudantes incumbe o dever de participarem nos custos do financiamento do ensino secundário público, como contrapartida quer dos benefícios de ordem social quer dos benefícios de ordem individual a auferir futuramente;

e) Princípio da não exclusão, entendido como o direito que assiste a cada estudante de não ser excluído, por força de carências económicas, do acesso e da frequência do ensino secundário, para o que o Estado deverá assegurar um adequado e justo sistema de acção social escolar;

f) Princípio da equidade, entendido como o direito reconhecido a cada instituição e a cada estudante de beneficiarem do apoio adequado à sua situação concreta;

g) Princípio da complementaridade, entendido no sentido de que as instituições devem encontrar formas adicionais e não substitutivas do financiamento público.

h) Princípio da sustentabilidade, que implica a necessidade de ter em conta os meios e recursos necessários para a implementação das opções e medidas de política educativa numa lógica de continuidade e irreversibilidade das conquistas educacionais, designadamente dos indicadores de resultados escolares;

i) Princípio da pertinência social da educação/formação, que exige a adequação do serviço educativo prestado às demandas e exigências de desenvolvimento socio-económico e às perspectivas de realização pessoal e social dos indivíduos;

j) Princípios da empregabilidade, que implica a necessidade de as instituições educativas prepararem os indivíduos para se integrarem na vida activa, dotando-os de conhecimentos, habilidades e competências que lhes permitam ser competitivos no mercado de trabalho;

k) Princípio da abordagem por competências, que visa, a partir do desenvolvimento das competências cognitivas, afectivas e activas dos indivíduos, aprimorar a sua capacidade empreendedora, preparando-os para se inserirem na sociedade como sujeitos activos, autónomos e criativos, de modo a contribuírem para o progresso sustentável da sociedade, o aumento da competitividade do país nos contextos regional e ou mundial e a realização e, consequentemente, para o seu próprio bem-estar pessoal.

(...) Como se colhe das experiências de Educação Comparada, uma reforma educativa só pode ser sucedida se encarada como um processo permanente de aprimoramento, em que se hão-de combinar, adequadamente, os diversos princípios acima enunciados.

Assim, e sendo certo que o financiamento da educação constitui problema sério mesmo nos países mais desenvolvidos do mundo, razão por que o acesso aos diversos níveis de deve ser equacionado nessa perspectiva, o problema do financiamento da educação nem sempre aparece como o principal desafio dos sistemas educativos. A conjugação dos diversos princípios de reforma poderá não apenas ajudar a equacionar o crucial problema do financiamento, mas, igualmente, propiciar:

a) O reforço da articulação entre a educação/formação, tendo em vista a maximização das possibilidades de integração efectiva dos formandos na vida activa e, designadamente, no mercado de trabalho;

b) A realização pessoal e social dos formandos, que pode ser lograda mediante a obtenção de níveis diferenciados de educação/formação (e não exclusivamente pela formação universitária);

c)O aumento da competitividade dos recursos humanos e da economia, à escala nacional, regional e mundial...

Bartolomeu Varela
* Extractos do Manual de “Estrutura e Funcionamento do Sistema Educativo”, do autor (ISE, 2006)
** Lazan, Orlando Carnota. Teoria y Practica de la direccion social. Universidad de La Habana, 1987.
Notas:
1 Do Gr. kybernetiké, arte de governar. Cibernética é o estudo dos mecanismos de comunicação e de controlo nas máquinas e nos seres vivos, do modo como se organizam, regulam, reproduzem, evoluem e aprendem.

[1] A separação conceptual entre sistema e meio ambiente depende do objecto de estudo pretendido e, portanto, não se está perante uma definição única para todos os casos.
[2] Esta definição de sistema educativo é construída a partir dos elementos conceptuais constantes da Lei de Bases do Sistema Educativo português.
[3] Falamos aqui do contexto histórico em sentido amplo que inclui as condições de existência humana no espaço e no tempo e tendo em conta as realidades económicas, sociais e políticas prevalecentes.
[4] Não se tem aqui a pretensão de fazer a história do sistema educativo ou mesmo da educação em Cabo Verde: pretende-se enfatizar a necessidade de se encarar um sistema educativo numa perspectiva diacrónica, ou seja, na sua evolução ao longo do tempo, procurando analisar criticamente o legado das gerações anteriores, de modo a melhorar o desempenho actual e futuro do mesmo sistema.
[5] In “Encontro Nacional de Quadros da Educação (Agosto/Setembro 1977)
[7] In “O novo ensino em Cabo Verde” – Documentos do II Congresso do PAICV (1983)
[8] Por ocasião da Independência Nacional existia a chamada classe pré-primária, de 1 ano, que tinha como objectivo fundamental assegurar a propedêutica (preparação) das crianças para o ingresso no ensino primário propriamente dito. A classe pré-primária, frequentada por crianças com 6 anos de idade, era ministrada pelos mesmos professores do ensino primário. Extinta a “pré-primária”, surge, em seu lugar, a educação pré-escolar, protagonizada, no início, essencialmente pelo Instituto Cabo-Verdiano de Solidariedade (ICS).
[9] In “Resolução do III Congresso do PAIGC (1977).
[10] In “O novo ensino em Cabo Verde” (1983).
[11] In “Lei de Bases do Sistema Educativo” (Lei nº 103/III/90, de 29 de Dezembro, com alterações introduzidas pela Lei nº 113/V/99, de 18 de Outubro). A Lei de Bases precisa que os objectivos da política educativa “entendem-se, adequam-se e executam-se de harmonia com as linhas orientadoras da estratégia de desenvolvimento nacional”.
[12] Ver, entre outros, “O novo ensino em Cabo Verde” (1983), a “Constituição da República” de 1980, a Constituição da República” de 1992, Programas de Governo, Planos Nacionais de Desenvolvimento...
[13] Convencionou-se chamar de I República ao período inicial dos 15 anos de Independência (1975-90), durante os quais vigorou um sistema monopartidário. A II República corresponde assim ao período que se seguiu (a partir de 1990/91), coincidindo com a consagração formal e efectiva do multipartidarismo.
[14] In Constituição da República de 1980.
[15] In “Encontro Nacional de Quadros da Educação (Agosto/Setembro 1977 – 2. Conclusões e Documentos Diversos”.
[16] Cf. Constituição da República de 1992 (versão actualizada) - Suplemento ao BO nº 43 de 23.11.99.

PARADIGMAS DA GESTÃO PELA EXCELÊNCIA DA EDUCAÇÃO


A realização das funções essenciais da escola, enquanto enquanto instituição educativa, coloca, de forma incontornável, a questão da qualidade, posto que, efectivamente, só serve à sociedade uma instituição educativa que capacite os indivíduos no sentido de contribuírem para a transformação da sociedade no sentido do progresso e, desta forma, lograrem a sua própria realização pessoal, profissional e social.

Importa, por isso, fazer-se uma breve incursão sobre a problemática da gestão pela qualidade das organizações, em geral, e das instituições educativas, em particular, abordando alguns modelos ou paradigmas que vêm sendo experimentados com sucesso, com a advertência de que os modelos criados são apenas subsídios para a melhoria e a inovação. Não devem ser encarados como fórmulas acabadas, quais camisas de força, que, a breve trecho, levam à rotina e ao imobilismo, à degenerescência e ao fracasso.

Quaisquer modelos, ainda que experimentados com sucesso em determinados contextos, devem servir de inspiração e induzir à procura de formas criativas de sua aplicação, à luz da realidade em que actuam as escolas.

Em seguida, faremos referência ao Modelo de Gestão pela Qualidade Total e ao Modelo de Gestão pela Excelência (sendo o segundo derivação do primeiro), de matriz europeia[1].

Terminamos com a abordagem sucinta do chamado “modelo de escolas eficazes” que propugna princípios que vão, em certos aspectos, na linha dos modelos anteriormente referidos.

8.1. O Modelo de Gestão pela Qualidade Total

A Qualidade é encarada como uma variável ligada à satisfação do Cliente, ou seja, traduz o reconhecimento pelas Organizações de que um objecto possui especificações adequadas ao objectivo para o qual o Cliente o pretende usar.

Assim, as Organizações passam a querer garantir que os produtos e serviços satisfaçam as expectativas dos Clientes e utilizadores. Isso implica a adopção de uma atitude estratégica consequente das organizações que procuram maximizar as condições para que o produto ou serviço oferecido aos Utilizadores e Clientes corresponda às expectativas destes.

Eis por que várias organizações modernas, quer as que perspectivam o lucro económico-financeiro, quer as se orientam pela perspectiva do chamado lucro social, implantam Sistemas de Garantia da Qualidade, experimentando modelos que deram provas de sucesso,

Um dos modelos de maior sucesso na gestão e avaliação das organizações é o desenvolvido pela European Foundation for Quality Management (EFQM), recomendado, igualmente, para o sector público[2] e aplicável, designadamente, às instituições educativas.

O modelo da EFQM[3] considera a organização como um todo e defende que, ao longo do tempo, a autoavaliação seja aplicada a todas as partes da organização. A abordagem a adoptar será influenciada pela estrutura da organização, pelo que poderá diferir, em alguns casos, das adoptadas por outras organizações. Para melhor compreensão do modelo apresentam-se a seguir alguns princípios básicos do que habitualmente é designado por Gestão pela Qualidade Total (GQT ou TQM na versão anglo-saxónica)[4]:

a) Focalização no Cliente - O cliente é o juiz final da qualidade produtos e serviços. As necessidades e requisitos dos clientes e o compromisso de lhes fornecer valor estão perfeitamente compreendidos pela organização. A satisfação dos clientes é medida e analisada, assim como os factores de sua fidelização. Os clientes da escola são os alunos (clientes primários), os encarregados de educação e a comunidade (clientes finais), a quem a escola deve prestar um serviço educativo que corresponda, em cada contexto, às suas expectativas de realização.

b) Alianças com fornecedores - As alianças com os fornecedores são estabelecidas com base na confiança e numa integração apropriada, de forma a incentivar a melhoria e a criar valor, tanto para o cliente como para o fornecedor. Os fornecedores da escola são os diversos clientes e parceiros que, de uma forma ou outra, contribuem para que a escola se dote dos meios, recursos e condições indispensáveis para que desempenhe a sua missão com eficiência e eficácia.
c) Desenvolvimento e envolvimento das pessoas – O pleno potencial das pessoas liberta-se através da procura e adopção de um conjunto de valores comuns e, designadamente, da implementação de uma cultura de diálogo, negociação, confiança, criatividade, inovação e autonomia na acção. Implica uma participação e comunicação alargadas, baseadas na formação e no desenvolvimento das capacidades.

d) Processos e factos - As actividades das organizações são geridas sistematicamente em termos de processo. Quando os processos de actuação das escolas são liderados de forma participada, são bem compreendidos pelos membros da organização escolar (gestores, stakholders, professores, alunos) e as actividades desenvolvidas contribuam para a melhoria do trabalho diário de cada um e do grupo, a eficiência é melhorada e a eficácia é maximizada, expressando-se em indicadores de sucesso que constituem fontes de estimulação dos órgãos de gestão escolar e dos agentes educativos.

e) Melhoria contínua e inovação – Nas escolas de sucesso, deve prevalecer uma cultura de melhoria contínua. Com efeito, a aprendizagem contínua é a base do aperfeiçoamento, pelo que devem ser encorajadas atitudes como pensar com originalidade e inovar. Utiliza-se o "benchmarking" (comparação de dados relevantes com os de organizações de excelência), permitindo estabelecer objectivos de melhoria para apoiar a inovação e o aperfeiçoamento. Se bem que cada realidade escolar ou educativa é una e específica, as escolas podem melhorar o seu desempenho através da análise crítica das boas práticas e das experiências bem sucedidas de suas congéneres. A qualidade implica inovação contínua, pelo que a pesquisa e a investigação devem fazer parte do estilo de gestão escolar e impregnar toda a acção educativa, implicando docentes, alunos e parceiros.

f) Liderança e consistência de objectivos – Os gestores das escolas devem favorecer o desenvolvimento da organização escolar, gerindo os recursos e os esforços na direcção da excelência do serviço educativo. Isso implica que a missão e a estratégia da escola sejam definidas e implementadas de uma forma esclarecida, participada, estruturada e sistemática, envolvendo a toda a organização, com a delegação e a disseminação de responsabilidades na definição, gestão, coordenação e avaliação dos objectivos e metas. Deste modo, o comportamento dos membros da organização escolar estarão em harmonia com os valores organizacionais, a política e a estratégia, em cuja definição e avaliação participam amplamente.

g) Responsabilidade pública - A organização e as pessoas que nela trabalham adoptam uma abordagem ética e esforçam-se por fazer melhor do que as exigências legais e regulamentares aplicáveis. As escolas em geral, incluindo as privadas, devem estar imbuídas de um forte sentido de serviço público, concorrendo com o serviço educativo prestado para que a sociedade progrida e os interesses da colectividade fiquem devidamente salvaguardados.

h) Orientação pelos resultados - O sucesso sustentado depende do equilíbrio e da satisfação dos objectivos de todos os interessados na organização: clientes, fornecedores, colaboradores, sócios e accionistas, entidades financeiras, bem como a sociedade em geral. Todos quantos, de uma maneira ou de outra, invistam na educação têm, legitimamente, direito a almejar resultados que lhes dêem satisfação. A escola não deve defraudar essa expectativa, mesmo quando não encontre na comunidade a colaboração e a participação desejadas.

Este modelo salienta que a Satisfação dos Clientes, a Satisfação dos Colaboradores e o Impacto na Sociedade são alcançados através da Liderança, que conduz a Política e a Estratégia, a Gestão das Pessoas, os Recursos e os Processos por forma a alcançar a excelência nos Resultados da Actividades.

8.2. O Modelo de Gestão pela Excelência e sua aplicação ao sector da educação

Sem pôr em causa os princípios básicos do Modelo de Gestão pela Qualidade Total, acima referido, o Modelo de Gestão pela Excelência (muito em voga, hoje em dia) aprofunda o primeiro e, aplicado à educação, põe acento tónico na premissa segundo a qual a máxima qualidade do ensino, aspiração da sociedade (cliente final), deve ser uma construção permanente, pelo que a actuação de todos os elementos do sistema educativo deve pautar-se, cada dia, pelo esforço de procura ou garantia da excelência da acção educativa.

O Modelo de Excelência em Gestão Pública foi concebido a partir da premissa de que é preciso (e é possível) a um serviço ser excelente sem deixar de ser público. Este Modelo, aplicável à gestão do serviço público da educação, deve estar alicerçado em fundamentos próprios da natureza pública das organizações e em fundamentos próprios da gestão de excelência contemporânea. Juntos, esses fundamentos definem o que se entende hoje por excelência em gestão pública.

8.2.1. Princípios básicos da gestão pela excelência em serviço público

A gestão pública, para ser excelente, tem de ser legal, moral, impessoal, pública e eficiente. Eis, assim, alguns dos princípios básicos da gestão pela excelência em serviço público (designadamente em educação):
a) Legalidade: Sendo Cabo Verde um Estado de Direito Democrático, a gestão da educação deve haver estrita obediência à lei; nenhum resultado poderá ser considerado bom e nenhuma gestão escolar poderá ser reconhecida como excelente à margem ou revelia da lei.

b) Moralidade: Implica que se deve pautar a gestão pública da educação por um código moral e ético. Não se trata de ética (no sentido de princípios individuais, de foro íntimo), mas de princípios morais de aceitação pública, logo considerados imprescindíveis na vida societária.

c) Impessoalidade: A gestão escolar deve servir a todos, sem discriminação, posto que todos têm direito a um serviço educativo de qualidade e a uma educação para o sucesso. O tratamento diferenciado restringe-se apenas aos casos previstos em lei e deve estar assente no princípio da equidade. A cortesia, a rapidez no atendimento, a confiabilidade e o conforto são requisitos de um serviço público de qualidade e devem ser agregados a todos os usuários indistintamente. Em se tratando da escola pública, todos os seus usuários e clientes são preferenciais e, como tais, pessoas VIP (importantes).

d) Publicidade: Implica que se seja transparente e se dê publicidade aos dados e factos. Essa é uma forma eficaz de estimular o controlo social do serviço público da educação.

e) Eficiência: É mister que se faça o que precisa ser feito com o máximo de qualidade ao menor custo possível. Não se trata de redução de custo a qualquer custo, mas de buscar a melhor relação entre qualidade do serviço educativo e a qualidade do gasto.

8.2.2. Fundamentos do modelo de gestão pela excelência aplicado à educação

Orientados pelos princípios básicos atrás referidos, integram a base de sustentação do Modelo de Excelência em Gestão Pública aplicado à educação os seguintes fundamentos (em muitos aspectos coincidentes, como há de se ver, com os da TQM):

1-Excelência dirigida ao cidadão:
A excelência em gestão pública da educação pressupõe atenção prioritária ao cidadão e à sociedade (e, antes de mais, ao aluno), na condição de usuários ou utentes do serviço público da educação e destinatários da acção decorrente do poder de Estado exercido pelas escolas públicas.

Segundo o Modelo de Gestão pela Excelência, as organizações públicas, mesmo aquelas que prestam serviços exclusivos de Estado, como os de educação, devem submeter-se à avaliação de seus usuários, obtendo o conhecimento necessário para gerar produtos e serviços de valor para esses cidadãos e com isso proporcionar-lhes maior satisfação.
Este fundamento envolve não apenas o cidadão individualmente, mas todas as formas pelas quais se façam representar empresas, associações, organizações e representações comunitárias.

2-Gestão participativa:
O estilo da gestão pública de excelência é participativo. Isso determina uma atitude gerencial e de liderança que busque o máximo de cooperação das pessoas, reconhecendo a capacidade e o potencial diferenciado de cada um e harmonizando os interesses individuais e colectivos, a fim de conseguir a sinergia das equipes de trabalho.
Uma gestão participativa genuína requer cooperação, partilha de informações e confiança para delegar, dando autonomia para atingir metas. Como resposta, os alunos, os professores, as pessoas em geral tomam posse dos desafios e dos processos de trabalho em que participam, tomam decisões, criam, inovam e dão à organização, no caso, à instituição educativa, um clima organizacional saudável.

3-Gestão baseada em processos e informações:
O centro prático da acção da gestão pública de excelência é o processo, entendido como um conjunto de actividades interrelacionadas ou interactivas que transforma imputes (entradas) em serviços/produtos (saídas) com alto valor agregado.
Gerir um processo significa planear, desenvolver e executar as suas actividades e avaliar, analisar e melhorar seus resultados, proporcionando melhor desempenho à organização. A gestão de processos permite a transformação das hierarquias burocráticas em redes de unidades de alto desempenho.
Os factos e dados gerados em cada um desses processos, bem como os obtidos externamente à organização transformam-se em informações que assessoram na tomada de decisões e alimentam a produção de conhecimentos. Esses conhecimentos dão à organização pública alta capacidade para agir e poder para inovar.

4-Valorização das pessoas:
As pessoas fazem a diferença quando o assunto é o sucesso de uma organização, como a escola, por exemplo. A valorização das pessoas pressupõe dar-lhes autonomia para atingir metas, criar oportunidades de aprendizagem e de desenvolvimento de potencialidades e reconhecer o bom desempenho. A chamada “Educação inclusiva”, na senda da “Pedagogia do Sucesso”, parte da premissa segundo a qual todos, na diversidade que os caracteriza, têm direito ao sucesso educativo. Daí que a valorização pessoal seja o cerne dos processos de educação e aprendizagem que se desenvolvem em relação aos alunos com necessidades educativas especiais.

5-Visão de futuro:
A busca da excelência nas organizações públicas, designadamente escolas, está directamente relacionada com a sua capacidade de estabelecer um estado futuro desejado que dê coerência ao processo decisório e que permita à organização escolar antecipar-se às novas necessidades e expectativas dos cidadãos e da sociedade. A visão de futuro pressupõe a constância de propósitos - agir persistentemente, de forma contínua - para que as acções do dia-a-dia da organização contribuam para a construção do futuro almejado. A visão de futuro indica o rumo para a organização; a constância de propósitos mantém-na nesse rumo.

6-Aprendizagem organizacional:
A aprendizagem deve ser internalizada na cultura organizacional tornando-se parte do trabalho diário em quaisquer de suas actividades, seja na constante busca da eliminação da causa de problemas, na busca de inovações e na motivação das pessoas pela própria satisfação de executarem suas actividades sempre da melhor maneira possível. É importante destacar que este fundamento é transversal a toda a organização. Isto significa que, independentemente do processo produtivo ou de prestação de serviço, da prática de gestão ou do padrão de trabalho, o “aprendizado” deve acontecer de maneira sistémica. É preciso ir além dos problemas e procurar novas oportunidades para a organização. Isso é um processo contínuo e inesgotável que engloba tanto as melhorias incrementais, como as inovações e a ruptura de práticas que deixam de ser necessárias, apesar da competência da organização em realizá-las.

7-Agilidade:
A postura pró-activa está relacionada com a noção de antecipação e resposta rápida às mudanças do ambiente. Para tanto, a organização escolar precisa antecipar-se no atendimento às novas demandas dos seus usuários e das demais partes interessadas.
Papel importante desempenham as organizações públicas formuladoras de políticas públicas, à medida que percebem os sinais do ambiente e conseguem antecipar-se evitando problemas e/ou aproveitando oportunidades.
A resposta rápida agrega valor à prestação do serviço educativo e aos resultados do exercício dos poderes públicos.

8-Foco em resultados:
O resultado é a materialização de todo o esforço da organização escolar para o atendimento das necessidades de todas as partes interessadas.
O sucesso de uma organização escolar é avaliado por meio de resultados medidos por um conjunto de indicadores.

9-Inovação:
Inovação significa fazer mudanças significativas (em termos de tecnologias, métodos, valores) para melhorar os serviços e produtos da organização escolar. Esta deve ser conduzida e gerida de forma que a inovação (o esforço de actualização e melhoria) se torne parte da cultura dos agentes educativos.

10-Controlo social:
A gestão das organizações públicas, designadamente escolas, deve estimular o cidadão e a própria sociedade a exercerem activamente o seu papel de guardiães de seus direitos e do bem comum que é a educação.
Nesse sentido, a boa gestão pública da educação pressupõe a criação de canais efectivos de participação dos agentes educativos e dos cidadãos nas decisões públicas, na avaliação dos serviços, inclusive na avaliação da actuação da organização escolar relativamente aos impactos negativos que possa resultar de sua actuação[5].

8.3. O modelo das “escolas eficazes” e suas características

A escola da actualidade é chamada a preparar indivíduos para serem competitivos na sociedade e no mundo global, o que equivale a dizer que os saberes proporcionados pela escola deverem ser socialmente pertinentes, capacitando os alunos para se inserirem na comunidade no mercado do trabalho em condições de acrescentar valor e, ao mesmo tempo, de se realizarem pessoal, social e profissionalmente.

Por isso, a qualidade do serviço educativo prestado pelas escolas tem estado e continuará a estar na ordem do dia. Eis também a razão por que as escolas procuram inspirar-se em experiências de sucesso na gestão das organizações, como os modelos de gestão atrás abordados, para aprimorarem a qualidade da educação.

É certo, porém, que as escolas são organizações peculiares, razão por que a procura da qualidade da educação, sem deixar de incorporar e tirar proveito das experiências bem sucedidas de outras organizações, deve ser objecto de análise e ponderação específicas. Assim, o chamado modelo de “escolas eficazes” aparece como uma tentativa de contribuir para esse desiderato que é a maximização da qualidade do serviço educativo prestado à sociedade.
Para Vera Lúcia Camara Zacharias, a educação é de qualidade quando os alunos alcançam os objectivos propostos, quando as escolas se centram nas necessidades dos alunos com a finalidade de oferecer oportunidades de aprendizagem de forma activa e cooperativa, através de experiências ricas e com vínculos com a realidade, de maneira que se fortaleçam os talentos individuais e os diversos estilos de aprendizagem; quando, com o que aprendem, os alunos sabem e sabem desempenhar-se de forma competente[6].
Mas os debates que têm vindo a fazer-se em torno do que é qualidade em educação em geral evidenciam conceitos que, embora distintos, não são necessariamente conflituantes entre si, como refere Lobo (1995):

a) A qualidade como excepção: busca a diferenciação, a excelência, a superação de padrões;
b) A qualidade como perfeição e consistência: eliminar erros e defeitos, acertar da primeira vez;
c) A qualidade como capacidade de atingir objectivos: funcionalidade, atendimento e satisfação dos usuários;
d) A qualidade como boa utilização dos recursos: prestação de contas, adaptação às demandas e necessidades sociais, eficiência;
e) A qualidade como poder de transformação: mudanças provocadas em alunos, professores, funcionários e métodos durante os processos ensino-aprendizagem e outros, estímulo à análise e à crítica.

Outros estudos partem da realidade concreta para formular conceitos de qualidade. De especial interesse são os que procuram explicar o processo pelo qual as escolas se tornam eficazes, construindo uma cultura de sucesso, em substituição da cultura do fracasso escolar. Como elementos comuns da cultura de sucesso, inerente às escolas eficazes, temos:
A flexibilidade e diversificação de práticas, visando adequá-las à natureza de cada problema;
A abertura para incorporar inovações, mas também postura crítica em relação a modismos educacionais e a preservação do que dá certo;
O compartilhamento de decisões entre os agentes internos da escola e a comunidade.

Assim, Mello (1993) identifica as seguintes características comuns a um conjunto de "escolas que dão certo" ou “escolas eficazes:

a) Liderança
A eficácia da escola está associada a uma condução de natureza não apenas administrativa mas, principalmente, pedagógica e fortemente orientada para a valorização do desempenho tanto da equipa escolar como dos alunos. Se os gestores são pessoas bem posicionadas para assumir essa condução, devem, entanto, promover a libertação das energias e iniciativas dos membros da comunidade escolar, propiciando a revelação de outras lideranças e aproveitá-las efectivamente na realização do projecto pedagógico e na vida quotidiana da escola.

b) Atmosfera da escola
O ambiente ou clima da escola eficaz inclui, além de altas expectativas quanto à aprendizagem dos alunos, uma organização que favoreça as oportunidades de aprendizagem e um grau adequado de pressão e de apoio à obtenção do sucesso académico.

c) Gestão do tempo
A eficácia da escola será tanto maior quanto mais tempo for dedicado às suas actividades-fins, ou seja, às actividades directamente focalizadas na aprendizagem dos conteúdos curriculares, na autoconfiança dos alunos e na promoção do bom convívio com a equipa escolar, sem prejuízo, obviamente, da importância das actividades-meios.

d) Capacitação de professores
Escolas eficazes oferecem treinamento em serviço, envolvendo a equipa docente e controlam a efectividade das decisões relativas ao conteúdo e metodologia da capacitação a ser adoptada.

e) Natureza dos objectivos de aprendizagem
A eficácia da escola fica ameaçada quando se estabelecem objectivos muito ambiciosos e genéricos. É fundamental que se proponham objectivos claros e factíveis para que alunos e professores compreendam como poderão ser alcançados e avaliados. Tais objectivos devem ainda desenvolver aptidões e competências para a vida académica e a vida social dos alunos.

f) Expectativas em relação ao sucesso dos alunos
Escolas eficazes são aquelas onde existe uma forte convicção de que os alunos são capazes de atingir os objectivos de aprendizagem por elas estabelecidos, com a implicação dos discentes nesse processo. Elas potenciam as condições de sucesso de todos os alunos, aplicando, consequentemente, os princípios da educação inclusiva, para a qual as diferenças podem e devem ser aproveitadas como oportunidades de partilha e enriquecimento colectivo e, logo, de caca um.

g) Acompanhamento e avaliação do aluno
O acompanhamento do progresso do aluno deve ser contínuo e só será viável se os objectivos de aprendizagem forem claros e limitados a um conjunto de habilidades, conhecimentos e atitudes que possam ser identificados e trabalhados pelo grupo escolar, sob a organização do docente.

h) Administração educativa facilitadora
A eficácia da escola requer apoio das estruturas hierárquicas superiores, mas associa-se a um padrão de relacionamento institucional no tais estruturas actuam como facilitadoras e provedoras dos recursos técnicos de que a escola necessita para alcançar melhor qualidade e não como meras instâncias formuladoras do conteúdo e das estratégias de provisão da assistência técnica, à margem das escolas.

i) Apoio e participação da comunidade
Escolas eficazes têm o suporte e a participação dos pais e da comunidade, que compartilham dos objectivos da escola e possuem, naturalmente, expectativas de sucesso académico dos alunos, cuja avaliação deve contar com o seu envolvimento

Na nossa perspectiva, a escola da excelência ou a escola eficaz é aquela que, aproveitando, criativamente, as experiências positivas dos diferentes modelos, seja capaz de, em cada momento, e de forma criativa e inovadora, conceber e prestar um serviço educativo que satisfaça às demandas, sempre crescentes, da sociedade.

Bartolomeu Varela
Extractos de Manual de Planeamento e Gestão de Instituições Educativas – ISE, 2004 – e do Manual de Administração Escolar – UniPiaget, 2006 (Manual de Administração Escolar).
[1] Japão, China, Estados Unidos e outros países procuram implementar os seus sistemas de gestão e de qualidade que, em vários aspectos, apresentam características semelhantes aos modelos aqui abordados e, noutros aspectos, abordagens diferentes, tendo, porém, como premissa comum a maximização das possibilidades de êxito na forte competição que se verifica no mercado.
[2] In “Manual do Planeamento Estratégico” (MundiServiços, 2003).
[3] A EFQM (European Foundation for Quality Management) é uma fundação europeia criada em 1988 pelos presidentes de 14 das maiores empresas europeias com o apoio da Comissão Europeia. O actual número de membros ultrapassa as 800 organizações, empresas nacionais e multinacionais e institutos de investigação das Universidades Europeias.
[4] A ordem pela qual foram apresentados os diversos conceitos não tem qualquer significado, nem a lista é exaustiva.
[5] Sobre a temática da excelência, veja-se o item 312, na parte IV deste manual, pág. 112, que refere medidas de modernização da Administração Pública em Cabo Verde.
[6] Vera Lúcia Camara Zacharias é pedagoga, mestre em educação, palestrante, com vários anos de experiência na área educacional.

Alguns aspectos da deontologia e da carreira profissionais do pessoal docente


1.A especificidade dos estatutos do pessoal docente

Em Cabo Verde, as instituições de educação e de ensino são servidas por diversas categorias de profissionais, de entre as quais encontramos os docentes dos diferentes níveis de ensino, cujo regime de carreira e deontologia profissionais vamos, de seguida, abordar brevemente, à luz do quadro legal vigente no país e aplicável aos docentes dos diferentes estabelecimentos públicos de educação e ensino, designadamente:

a) O Decreto-Legislativo nº 2/2004, de 29 de Março, que aprova o Estatuto do Pessoal Docente dos estabelecimentos de educação pré-escolar, básica, secundária e da alfabetização e educação de adultos – Este Estatuto é complementado pelos seguintes regulamentos: i) regulamento de avaliação de desempenho do pessoal docente, aprovado pelo Decreto-regulamentar 10/2000, de 4 de Setembro; ii) o regulamento dos concursos de ingresso e acesso às categorias do pessoal docente em regime de nomeação, aprovado pelo Decreto-regulamentar nº 10/2000, de 4 de Setembro; iii) os diplomas que estabelecem ou regulamentam os suplementos remuneratórios atribuídos ao pessoal docente (Decreto-Lei nº 49/96, de 18 de Novembro e Portaria nº 11/97, de 24 de Março);

b) Os Decretos-Legislativos nºs 1/99 e 2/99, ambos de 15 de Fevereiro, que aprovam, respectivamente, o Estatuto do Pessoal Docente do Ensino Superior e o Estatuto do Pessoal Investigador, sendo este ultimo susceptível de aplicação tanto nos estabelecimentos públicos de ensino superior como em outros organismos públicos que se dediquem à investigação;

c) O Decreto-Lei nº 82/2005, que aprova o Estatuto do Pessoal Docente do Instituto Pedagógico.

Refira-se que os diplomas acabados de citar consideram os docentes dos estabelecimentos públicos de educação ou ensino, a diversos níveis, ou seja, da educação pré-escolar ao ensino superior, como funcionários públicos[1], ainda que pertencentes a quadros privativos.

Assim, os Estatutos de Pessoal Docente (EPD’s) em vigor (e respectivos diplomas complementares ou regulamentares) caracterizam-se pela sua natureza de diplomas especiais.

Ora, segundo a lei e a doutrina, tais diplomas, enquanto leis especiais, aplicam-se, exclusivamente, às correspondentes categorias de pessoal docente dos estabelecimentos públicos ou estaduais. E como diplomas especiais que são, suas normas têm a prerrogativa de serem aplicadas com prioridade em relação às normas da lei geral da função pública que versem sobre as mesmas matérias dos Estatutos. Assim, por exemplo, se determinadas matérias, como férias, carga horária semanal, aposentação, por exemplo, são reguladas de modo diferente nesses estatutos e na legislação geral da função pública, prevalecem as normas desses estatutos, que, desta forma, derrogam as leis gerais.

Entretanto, a correlação entre os EPD’s, enquanto leis especiais, e a lei geral da função pública apresenta outro aspecto importante: o carácter supletivo da lei geral em relação às leis especiais. Isto quer dizer que, sempre que uma lei especial (um EPD) se mostrar insuficiente para regular todas as matérias relacionadas com o seu objecto de regulação (exs: formas e recrutamento ou de provimento; direitos e deveres; sistema remuneratório; regime das faltas, férias e licenças; regime disciplinar; desenvolvimento profissional na carreira; a avaliação de desempenho; processo de aposentação, etc.), recorre-se às normas da legislação geral..

Os Estatutos do Pessoal Docente são diplomas que, em desenvolvimento da Lei de Bases do Sistema Educativo, estabelecem normas que disciplinam as carreiras de pessoal docentes de diferentes níveis de ensino. Assim, atendendo à especificidade das carreiras em causa e tomando em conta factores como o nível de qualificação, a complexidade do ensino, o grau de desgaste psíquico, físico e fisiológico no exercício das profissões, etc.), as opções do legislador em relação a determinadas matérias variam tanto de estatuto para estatuto como em relação à legislação geral da função pública.

Vejamos, a título exemplificativo, como o que acabamos de referir se expressa nas seguintes matérias:

- Carga horária Semanal: enquanto os docentes da educação pré-escolar, básica, secundária e da alfabetização de adultos cumprem 27 horas de serviço semanal[2], os do IP têm 24 horas[3] e os do Ensino Superior 40 horas[4], a mesma carga horária que vigora na Função Pública em geral;
- Férias anuais: enquanto os docentes da educação pré-escolar, básica, secundária e da alfabetização de adultos, assim como os do IP, têm direito a 33 dias úteis de férias, enquanto que os do ensino superior têm direito a 22 dias úteis, o mesmo que os funcionários públicos em geral[5];
- Direito de aposentação: os docentes da educação pré-escolar, básica, da alfabetização e educação de adultos e do ensino secundário podem aposentar com 55 anos de idade ou 32 de serviço docente, os do IP aposentam aos 60 anos de idade ou com 34 anos de serviço, enquanto que os do ensino superior, assim como os funcionários em geral, aposentam com 60 anos de idade e 34 anos de serviço prestado ao Estado.
- Redução de carga horária semanal: os docentes da educação pré-escolar, básica, da alfabetização e educação de adultos e do ensino secundário têm direito a uma redução de 2, 4, 6 e 8 horas lectivas por semana, após 15, 20, 25 e 30 anos de serviço docente prestado[6], enquanto que esta prerrogativa não é reconhecida às demais categorias de agentes docentes em análise.

Refira-se, ainda, que, ao se comparar os EPD’s com a legislação geral da função pública, constata-se que os professores com os graus de bacharelato, licenciatura ou superiores na área do ensino auferem remuneração relativamente superior à maioria dos funcionários do quadro comum da Administração Pública com idênticos graus. É certo, porém, que determinadas categorias de pessoal da Função Pública, submetidas a estatutos especiais, têm remuneração comparativamente superior à de docentes com idênticas habilitações (pessoal do quadro privativo das finanças, pessoal médico, magistrados judiciais e do ministério público, etc.).

Em contrapartida, em termos de disciplina e desempenho, exige-se muito mais dos professores dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar, básica, secundária e de educação de adultos que em relação aos demais funcionários da Administração Pública. Assim,
a) À luz deste EPD, as faltas ao serviço desses professores[7], quando injustificadas, são penalizadas de forma mais dura: 3 faltas seguidas ou 5 interpoladas podem implicar pena de suspensão (contra 5 seguidas ou 8 interpoladas em relação aos demais funcionários, para a mesma pena); 7 faltas seguidas ou 13 interpoladas podem implicar pena de inactividade (contra 8 faltas seguidas ou 12 interpoladas em relação aos demais funcionário para a mesma penas)[8];
b) Nos termos do mesmo EPD, o comportamento exigido ao professor, do ponto de vista ético ou da moral, é de maior rigor, a ponto de incorrer em demissão o agente docente que namorar ou tiver relações sexuais com alunos…
Este rigor em relação ao comportamento do professor tem a ver com a natureza da profissão docente, que além de um saber especializado, se rege por uma deontologia própria.

2. Conceito e relevância da deontologia profissional do pessoal docente

São inerentes aos paradigmas modernos ou emergentes de educação determinados códigos deontológicos que variam em função das profissões (gestores, inspectores, professores), mas que têm em comum o facto de tais códigos serem constituídos por normas de natureza eminentemente jurídica mas com uma forte dimensão de ordem ética e moral.

Na verdade, a definição de qualquer deontologia profissional deve ser construída mediante a conjugação dos deveres profissionais consagrados pelo ordenamento jurídico-estadual com os deveres profissionais que resultam de normas morais e de trato social, que a consciência colectiva reputa como sendo necessárias e, quiçá, indispensáveis a uma prática profissional salutar, em prol do interesse público.

A deontologia profissional do professor não foge à regra: o seu núcleo essencial é constituído pelas normas jurídicas que o Estado adopta para regular o exercício dessa profissão, especialmente em termos de deveres. No entanto, a esse núcleo essencial se associa, de forma harmónica, uma série de outras normas, de natureza técnica e de conteúdo moral e ético, que contribuem para moldar um código de conduta profissional próprio de um professor.

A deontologia profissional docente está intrinsecamente ligada à missão da educação: promover o desenvolvimento integral dos indivíduos, de modo a que, através de conhecimentos, atitudes e acções consequentes, possam, por um lado, contribuir para o bem comum e, por outro (e concomitantemente), para sua própria realização.

A missão de educar não se esgota, pois, no desenvolvimento de competências cognitivas, tendo, igualmente, dimensões éticas (traduzidas em valores, atitudes e comportamentos) que permitem contribuir para uma reprodução da sociedade e dos indivíduos numa escala sempre ascendente, ou seja, a perspectiva da sua realização crescente e da busca incessante de perfeição.

Encarada nas suas diversas e integradas dimensões, a educação é uma tarefa de toda a sociedade mas que apresenta desafios e responsabilidades específicas aos agentes educativos, em particular ao docente, a quem cabe contribuir, através do trabalho pedagógico, para que a educação cumpra as suas funções essenciais, a saber: o desenvolvimento intelectual, moral e social dos indivíduos; a promoção da cultura geral; o desenvolvimento dos automatismos básicos de aprendizagem; a preparação para o exercício da cidadania e a vida activa; a preparação e a orientação para o exercício ulterior de uma profissão.

Se é evidente a perspectiva axiológica da educação, não menos evidente será o papel daquele (referimo-nos ao professor) cuja profissão consiste organizar o processo de aprendizagem de modo tal que resulte a prestação de um serviço educativo de qualidade, que é aquele que garante a capacitação indivíduos de modo a contribuírem para o desenvolvimento sustentável da sociedade (que financia a educação, porque dela precisa) e para a sua própria realização individual e colectiva, enquanto membros da mesma sociedade.

Por ser uma profissional que orienta a sua acção no sentido de, em cooperação com os demais agentes educativos, promover a realização de uma acção educativa ao serviço de toda a sociedade, o professor possui um código de conduta profissional exigente, cujo núcleo essencial – os deveres profissionais – vem definido, como vimos, na legislação vigente, que vamos abordar nos seus traços essenciais.

3. Análise da deontologia profissional do professor à luz do direito vigente

Antes de mais, importa lembrar que ao professor, enquanto funcionário público, são aplicáveis as normas jurídicas por que se rege o funcionalismo público cabo-verdiano em geral, sem prejuízo das que lhe são específicas. Assim, a deontologia profissional do docente inclui, essencialmente, os deveres dos cidadãos, os deveres dos funcionários em geral, e os deveres especiais constantes dos respectivos Estatutos.

A deontologia profissional do professor não pode ser bem apreendida fora do quadro normativo por que se regem a sociedade e o sistema educativo, nem tampouco à margem das normas gerais da Administração Pública ou mesmo das que regulam aspectos essenciais da convivência social, pois que do conjunto das normas do ordenamento jurídico cabo-verdiano derivam princípios e normas de conduta que o docente deve, naturalmente, ter em devida conta no exercício da sua profissão. Assim, por exemplo, no exercício da sua profissão, o docente está vinculado à observância de um conjunto regras deontológicas como: a legalidade, a imparcialidade, o apartidarismo, a discrição, o sigilo profissional, a lealdade institucional, o zelo, a urbanidade, a exemplaridade e a probidade na vida privada, social e profissional, etc.

É certo que a deontologia profissional não se esgota nos deveres jurídicos, mas estes, como referimos, constituem o seu núcleo essencial, tanto mais que, enquanto normas jurídicas, são de cumprimento obrigatório, incorrendo o respectivo infractor em procedimento disciplinar.

3.1. Deveres específicos do docente

Na verdade, há um vasto conjunto de normas deontológicas que deve impregnar a actividade profissional do professor, tal como consta, aliás, do artigo 6º do EPD dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar, básica, secundária e de educação de adultos, do artigo 53º do EPD do ensino superior e do artigo 5º do EPD do Instituto Pedagógico.

Limitando-nos ao primeiro dos estatutos referidos, a norma citada refere que, para além dos deveres gerais inerentes ao exercício da função pública – ou seja, dos deveres gerais dos funcionários da Administração Pública constantes do EDAAP (Estatuto Disciplinar dos Agentes da Administração Pública), o docente dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar, básica, secundária e de educação de adultos possui deveres específicos, a saber:
a) Contribuir para a formação e realização integral dos alunos;
b) Manter um comportamento exemplar perante alunos e menores em geral, abstendo-se, nomeadamente, de estabelecer relações sexuais ou amorosas com os mesmos ou de os assediar sexualmente;
c) Colaborar com todos os intervenientes do processo educativo, favorecendo a criação e o desenvolvimento de relações de respeito mútuo, em especial entre docentes, alunos, encarregados de educação e pessoal não docente.
d) Participar na organização e assegurar a realização das actividades educativas;
e) Gerir o processo de ensino-aprendizagem, no âmbito dos programas definidos;
f) Enriquecer e partilhar os recursos educativos, bem como utilizar novos meios de ensino que lhes sejam propostos, numa perspectiva de abertura à inovação e de reforço da qualidade da educação e do ensino;
g) Co-responsabilizar-se pela preservação e uso adequado de equipamentos e instalações e propor medidas de melhoramento e renovação;
h) Participar, de forma empenhada, nas acções de formação contínua organizadas pelo departamento governamental responsável pela educação ou em quaisquer outras iniciativas de capacitação ou actualização profissional que lhe disserem respeito, quer na qualidade de formador, quer na de formando;
i) Assegurar a realização de actividades educativas de acompanhamento de alunos, destinadas a suprir a ausência imprevista e de curta duração do respectivo docente;
j) Cooperar com os restantes intervenientes do processo educativo na detecção da existência de casos de crianças ou jovens com necessidade educativas especiais;
k) Manter os órgãos de gestão das escolas informadas sobre os problemas que se detectem no funcionamento das escolas e dos cursos;
l) Participar nos actos constitutivos dos órgãos de gestão das escolas.

NB: Os deveres específicos dos docentes de ensino superior público vêm detalhados no artigo 53º do respectivo Estatuto, enquanto que os do professor do Instituto Pedagógico constam do artigo 5º do seu EPD.

3.2. Deveres gerais do professor enquanto funcionário público

Como assinalámos, os professores dos diversos níveis, enquanto funcionários públicos, estão igualmente vinculados aos deveres que a lei impõe aos demais agentes da Administração Pública. Assim, os EPD’s que vimos analisando dispõem que são aplicáveis aos professores os deveres gerais dos funcionários, prescritos no artigo 3º do EDAAP. Assim, a observância da legalidade, a prossecução do interesse geral, a isenção, a imparcialidade, o apartidarismo, a lealdade institucional, a urbanidade, o respeito e a consideração dos outros, a probidade, o segredo profissional integram-se nos deveres gerais do funcionário público (logo, dos docentes dos estabelecimentos públicos de educação), que passamos a transcrever na íntegra:

a) Respeitar a Constituição, os símbolos nacionais, as instituições da república e respectivos titulares;
b) Respeitar e garantir o livre exercício dos direitos e liberdades e o cumprimento dos deveres constitucionais e legais dos cidadãos;
c) Estar ao serviço do interesse geral definido pelos órgãos competentes da Administração Pública, nos termos da lei e de harmonia com ordens e instruções legítimas dimanadas dos superiores hierárquicos;
d) Observar e fazer observar, rigorosamente, os regulamentos;
e) Assegurar a eficácia, o prestígio e a dignidade da Administração Pública, participar activamente na realização dos objectivos e defender os interesses do Estado;
f) Agir com isenção, imparcialidade e rigoroso apartidarismo político, em ordem a criar no público confiança na acção da Administração Pública;
g) Cultivar a lealdade institucional, a pontualidade, assiduidade, o rigor, o escrúpulo, desenvolver o espírito de iniciativa, a produtividade, a competência e o zelo profissional e contribuir para a prestação de um serviço público de qualidade;
h)Cumprir exacta, imediata e lealmente as ordens ou instruções, escritas ou verbais, dos superiores hierárquicos em objecto de serviço, salvo se a ordem ou instrução implicar a prática de crime e sem prejuízo do direito de respeitosa representação;
i) Tratar com urbanidade e respeito os utentes dos serviços públicos e ser-lhes prestável, designadamente, dando satisfação célere às suas solicitações legítimas, adoptando o procedimento legal que lhes seja mais favorável, não lhes exigindo formalidades ou pagamentos não impostos expressamente por lei ou regulamento e não lhes provocando incómodos, perdas de tempo ou gastos desnecessários;
j) Dar prioridade, no atendimento, às pessoas idosas, doentes ou com deficiência, às grávidas, aos menores e a outras pessoas em situação de vulnerabilidade;
l) Agir com correcção e consideração para com os superiores hierárquicos, colegas e subordinados;
m) Guardar segredo profissional relativamente aos assuntos de que tenham conhecimento em virtude do exercício das suas funções e sobre os quais não tenham autorização do respectivo superior hierárquico para a sua revelação ao público, sem prejuízo do direito dos cidadãos a serem informados obre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados e do direito de acesso dos cidadãos a arquivos e registos administrativos, nos termos das leis e regulamentos;
n) Proceder disciplinarmente, nos termos da lei, relativamente às infracções praticadas pelos seus subordinados e participar superiormente as que exijam intervenção de outras autoridades;
o) Avaliar o desempenho dos seus subordinados e informar a respeito dos mesmos, com rigor, isenção e justiça;
p) Aperfeiçoar a sua formação profissional, nomeadamente, no que respeita às matérias que interessam às funções que exerçam;
q) Não solicitar nem retirar vantagens de qualquer natureza das funções que desempenham e agir com independência e isenção em relação aos interesses e pressões particulares;
r) Agir, na sua vida privada, com probidade de modo a não desprestigiar a função que exercem”.

4. Outros aspectos essenciais da carreira do pessoal docente

4.1. Direitos profissionais

Como é evidente, ao docente não são impostos apenas deveres. A lei e os respectivos Estatutos consagram-lhes, igualmente, direitos e outras prerrogativas.

Assim, e referindo-nos especificamente, ao pessoal docente dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar, básica, secundária e de educação de adultos, o seu EPD reconhece-lhes, a par dos direitos estabelecidos para os funcionários e demais agentes do Estado em geral[9], os seguintes direitos profissionais (que, aliás, são igualmente reconhecidos aos docentes dos demais níveis de ensino público):
a) Participar no funcionamento do sistema educativo e na vida da escola;
b) Participar na orientação pedagógica dos estabelecimentos de ensino;
c) Participar em experiências de inovação pedagógica;
d) Eleger e ser eleito para os órgãos de gestão das escolas, nos termos previstos na lei;
e) Ter aceso à formação com vista à actualização e reforço dos conhecimentos e evolução na carreira;
f) Dispor dos apoios e recursos necessários ao bom exercício da profissão;
g) Dispor de segurança social e na actividade profissional, nos termos da lei.

Este último direito compreende, nomeadamente:
a) Assistência médica e medicamentosa;
b) A protecção por acidente em serviço, nos termos da legislação aplicável, bem como, a prevenção e tratamento das doenças que venham a ser definidas em decreto-regulamentar, como resultando necessária e directamente do exercício continuado da função docente.
c) A penalização, nos termos da legislação penal aplicável, da prática de ofensa corporal ou outra violência sobre docente no exercício das suas funções ou por causa destas.

4.2. Relação jurídica do trabalho docente

O docente, como os demais funcionários públicos, pode ser recrutado para exercer a sua actividade profissional em regime de emprego e em regime de carreira
O regime de emprego traduz-se no recrutamento mediante contrato, que é a única forma de provimento dos docentes não pertencentes ao quadro:
O regime de carreira implica o provimento através da nomeação, que tem carácter vitalício

4.3. Desenvolvimento profissional do pessoal docente

O desenvolvimento profissional do pessoal docente em regime de nomeação efectua-se através de promoção e progressão.

Entende-se por promoção a mudança do docente de um cargo para o imediatamente superior àquele que detém dentro da respectiva carreira. Devendo, em princípio, ser precedida de uma progressão, a promoção depende, geralmente, da verificação cumulativa das seguintes condições:
a) Existência de vagas;
b) Tempo mínimo de serviço no cargo imediatamente inferior, de acordo com o regime legalmente estabelecido[10];
c) Desempenho satisfatório[11];
d) Aprovação em concurso;
e) Formação, quando a lei o exija (critério não exigido ao docente do Instituto Pedagógico e do Ensino Superior).

No caso do docente do ensino superior, outro critério exigido é a “prestação de serviços à comunidade”

Por seu turno, a progressão é a mudança do docente de um escalão para o imediatamente superior dentro da mesma referência. A progressão na carreira docente depende da verificação cumulativa das seguintes condições:
a) – Três anos de serviço efectivo e ininterrupto no escalão imediatamente inferior, salvo no caso dos docentes do ensino superior, em que o tempo mínimo é de 5 anos;
b) – Desempenho satisfatório[12].

No caso do docente de ensino superior, são ainda tidos como critérios para a progressão na carreira os seguintes: horas de docência, exercício de cargo de gestão, publicação de trabalhos de investigação e prestação de serviço à comunidade.

4.4. Avaliação de desempenho

Todos os funcionários estão sujeitos a avaliação anual de desempenho. Como se refere no EPD do Instituto Pedagógico (artº 15º) e no EPD dos estabelecimentos de educação pré-escolar, básica, secundária e da educação de adultos (artº 29º), são objectivos da avaliação de desempenho:
a) Melhorar a qualidade da educação e do ensino ministrados;
b) Adequar a organização do sistema educativo às necessidades educacionais;
c) Melhorar a prestação pedagógica e a qualidade profissional dos docentes;
d) Valorizar e aperfeiçoar o trabalho dos docentes.

Segundo os referidos EPD’s, a avaliação de desempenho do pessoal incide sobre a actividade profissional desenvolvida pelos docentes na educação e no ensino, tendo em conta as suas qualificações profissionais e científicas e é reportada a períodos de tempo específicos.

As normas gerais relativas à avaliação de desempenho do pessoal docente dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar, do ensino básico e secundário e da alfabetização e educação de adultos, constantes do respectivo Estatuto do Pessoal Docente, são retomadas e desenvolvidas pelo Decreto-regulamentar nº 10/2000, de 4 de Setembro.

A avaliação do pessoal docente nos demais níveis de ensino, particularmente no ensino superior público, carece de regulamentação específica.

Refira-se que o Decreto-regulamentar nº 10/2000 prevê que a avaliação de despenho do docente é de carácter contínuo e sistemático, sem prejuízo da avaliação anual, que tem lugar, ordinariamente, entre Julho e Setembro, por iniciativa do órgão de direcção do respectivo estabelecimento de ensino, que deve ter em conta o parecer do correlativo órgão de gestão pedagógica (Núcleo Pedagógico, Conselho Pedagógico) ou por iniciativa do próprio professor que, neste caso, e no momento adequado (até 20 de Junho), deve desencadear o processo, através de um relatório de autoavaliação que será objecto de apreciação e decisão pelo órgão de gestão da respectiva escola.

O diploma prevê ainda dispositivos diferenciados de avaliação dos professores investidos em actividades lectivas e dos afectos às actividades de gestão e coordenação.

Algumas das particularidades deste diploma residem: no facto de prever amplas garantias ao avaliado, que pode assim accionar vários mecanismos de modo a lograr uma avaliação justa; na circunstância de o docente não ficar com a classificação de Bom caso não tiver sido avaliado por razões que não lhe são imputáveis. Neste caso, nem o docente fica sem avaliação nem lhe é atribuída a classificação máxima, restando-lhe sempre a possibilidade de ele propor para si mesmo uma avaliação de Muito Bom em face do silêncio da Administração, desde que se julgue no direito de ter uma avaliação superior.

NB: Para um conhecimento mais aprofundado das carreiras de pessoal docente do ensino público, recomenda-se o estudo dos respectivos Estatutos e (Decreto-Legislativo nº 2/2004, de 29 de Março; Decretos-Legislativos nºs 1/99 e 2/99, ambos de 15 de Fevereiro, e o Decreto-Lei nº 82/2005, de 12 de Dezembro) e respectivos regulamentos, citados no início deste texto.

Bartolomeu Varela
[1] O facto de os professores do ensino público serem considerados funcionários públicos coloca os institutos públicos do ensino perante a situação de terem de gerir o seu pessoal segundo regimes jurídicos diferentes: os docentes regem-se por leis da Função Pública e os demais trabalhadores pelo regime jurídico geral das relações de trabalho. Este facto não só torna complexa como a gestão dos recursos humanos como introduz elementos de alguma rigidez nos processos de recrutamento e gestão de docentes, porventura com efeitos perversos, sobretudo se se tem em conta a necessidade de o ensino superior público se preparar para actuar num mercado cada vez mais competitivo.
[2] Das 27 horas, 22 são horas lectivas e 5 são horas não lectivas.
[3] Das 24 horas, 16 são horas lectivas e 8 são horas não lectivas.
[4] Das 40 horas, são horas lectivas 8 a 12 horas (para os monitores, são 6 horas), sendo as restantes passíveis de ocupação com actividades não lectivas.

[5]Além das férias anuais, os professores têm direito a “férias” ou a suspensão de actividades lectivas, nomeadamente no fim de cada período escolar. O EPD do ensino superior estabelece que os docentes deste nível têm direito às férias correspondentes às respectivas escolas, sem se referir expressamente as férias anuais, pelo que se recorre à lei geral, atribuindo aos docentes, pelo menos, 22 dias úteis de férias no fim do ano lectivo, além das férias semestrais.

[6] Como o professor do ensino básico, que ainda apenas lecciona em regime de mono-docência, não consegue, na prática, gozar o direito de redução de carga horária lectiva semanal, a lei atribui-lhe, em compensação, subsídios de 10, 20, 30 ou 40% do seu vencimento após 15, 20, 25 e 30 anos de serviço, respectivamente. Esta prerrogativa não é atribuída aos demais docentes, que gozam efectivamente, o direito à redução de horário de trabalho.

[7] Note-se que as faltas ao serviço desses professores (assim como as do pessoal docente do Instituto Pedagógico) não se definem simplesmente pela ausência a um dia útil de trabalho, que é de 8 horas, para o funcionário público. Na verdade, para tais docentes, falta é o quociente da divisão por 5 do nº de horas semanais do professor. Para os docentes da educação pré-escolar e básica, da educação de adultos e do ensino secundário, equipara-se ainda a falta a um dia a ausência ao serviço de exames e a uma reunião de avaliação e a dois tempos lectivos a ausência a outras reuniões de natureza pedagógica.
[8] No caso das faltas injustificadas passíveis de aposentação compulsiva ou demissão, a regulação é a mesma para os docentes e os demais funcionários: 12 faltas seguidas ou 15 interpoladas implicam uma dessas penas expulsivas.
[9] Esta remissão à legislação geral aplicável aos funcionários importante, pois permite aos professores beneficiar de todos os direitos dos agentes da Administração Pública, além dos específicos da sua profissão..
[10] De acordo com a lei geral, o tempo mínimo para a promoção é de 4 anos. Entretanto, para o pessoal docente do ensino superior, esse tempo mínimo é de 5 anos
[11] O EPD do Instituto Pedagógico exige que a avaliação de desempenho seja de Bom, para efeitos de promoção. Já o EPD do ensino superior, em vez do requisito em causa, exige “Avaliação científica”.
[12] O EPD do Instituto Pedagógico exige que a avaliação de desempenho para efeitos de progressão seja de Bom durante os últimos três anos de serviço docente.

Alguns aspectos da deontologia e da carreira profissionais do pessoal docente


1.A especificidade dos estatutos do pessoal docente

Em Cabo Verde, as instituições de educação e de ensino são servidas por diversas categorias de profissionais, de entre as quais encontramos os docentes dos diferentes níveis de ensino, cujo regime de carreira e deontologia profissionais vamos, de seguida, abordar brevemente, à luz do quadro legal vigente no país e aplicável aos docentes dos diferentes estabelecimentos públicos de educação e ensino, designadamente:

a) O Decreto-Legislativo nº 2/2004, de 29 de Março, que aprova o Estatuto do Pessoal Docente dos estabelecimentos de educação pré-escolar, básica, secundária e da alfabetização e educação de adultos – Este Estatuto é complementado pelos seguintes regulamentos: i) regulamento de avaliação de desempenho do pessoal docente, aprovado pelo Decreto-regulamentar 10/2000, de 4 de Setembro; ii) o regulamento dos concursos de ingresso e acesso às categorias do pessoal docente em regime de nomeação, aprovado pelo Decreto-regulamentar nº 10/2000, de 4 de Setembro; iii) os diplomas que estabelecem ou regulamentam os suplementos remuneratórios atribuídos ao pessoal docente (Decreto-Lei nº 49/96, de 18 de Novembro e Portaria nº 11/97, de 24 de Março);

b) Os Decretos-Legislativos nºs 1/99 e 2/99, ambos de 15 de Fevereiro, que aprovam, respectivamente, o Estatuto do Pessoal Docente do Ensino Superior e o Estatuto do Pessoal Investigador, sendo este ultimo susceptível de aplicação tanto nos estabelecimentos públicos de ensino superior como em outros organismos públicos que se dediquem à investigação;

c) O Decreto-Lei nº 82/2005, que aprova o Estatuto do Pessoal Docente do Instituto Pedagógico.

Refira-se que os diplomas acabados de citar consideram os docentes dos estabelecimentos públicos de educação ou ensino, a diversos níveis, ou seja, da educação pré-escolar ao ensino superior, como funcionários públicos[1], ainda que pertencentes a quadros privativos.

Assim, os Estatutos de Pessoal Docente (EPD’s) em vigor (e respectivos diplomas complementares ou regulamentares) caracterizam-se pela sua natureza de diplomas especiais.

Ora, segundo a lei e a doutrina, tais diplomas, enquanto leis especiais, aplicam-se, exclusivamente, às correspondentes categorias de pessoal docente dos estabelecimentos públicos ou estaduais. E como diplomas especiais que são, suas normas têm a prerrogativa de serem aplicadas com prioridade em relação às normas da lei geral da função pública que versem sobre as mesmas matérias dos Estatutos. Assim, por exemplo, se determinadas matérias, como férias, carga horária semanal, aposentação, por exemplo, são reguladas de modo diferente nesses estatutos e na legislação geral da função pública, prevalecem as normas desses estatutos, que, desta forma, derrogam as leis gerais.

Entretanto, a correlação entre os EPD’s, enquanto leis especiais, e a lei geral da função pública apresenta outro aspecto importante: o carácter supletivo da lei geral em relação às leis especiais. Isto quer dizer que, sempre que uma lei especial (um EPD) se mostrar insuficiente para regular todas as matérias relacionadas com o seu objecto de regulação (exs: formas e recrutamento ou de provimento; direitos e deveres; sistema remuneratório; regime das faltas, férias e licenças; regime disciplinar; desenvolvimento profissional na carreira; a avaliação de desempenho; processo de aposentação, etc.), recorre-se às normas da legislação geral..

Os Estatutos do Pessoal Docente são diplomas que, em desenvolvimento da Lei de Bases do Sistema Educativo, estabelecem normas que disciplinam as carreiras de pessoal docentes de diferentes níveis de ensino. Assim, atendendo à especificidade das carreiras em causa e tomando em conta factores como o nível de qualificação, a complexidade do ensino, o grau de desgaste psíquico, físico e fisiológico no exercício das profissões, etc.), as opções do legislador em relação a determinadas matérias variam tanto de estatuto para estatuto como em relação à legislação geral da função pública.

Vejamos, a título exemplificativo, como o que acabamos de referir se expressa nas seguintes matérias:

- Carga horária Semanal: enquanto os docentes da educação pré-escolar, básica, secundária e da alfabetização de adultos cumprem 27 horas de serviço semanal[2], os do IP têm 24 horas[3] e os do Ensino Superior 40 horas[4], a mesma carga horária que vigora na Função Pública em geral;
- Férias anuais: enquanto os docentes da educação pré-escolar, básica, secundária e da alfabetização de adultos, assim como os do IP, têm direito a 33 dias úteis de férias, enquanto que os do ensino superior têm direito a 22 dias úteis, o mesmo que os funcionários públicos em geral[5];
- Direito de aposentação: os docentes da educação pré-escolar, básica, da alfabetização e educação de adultos e do ensino secundário podem aposentar com 55 anos de idade ou 32 de serviço docente, os do IP aposentam aos 60 anos de idade ou com 34 anos de serviço, enquanto que os do ensino superior, assim como os funcionários em geral, aposentam com 60 anos de idade e 34 anos de serviço prestado ao Estado.
- Redução de carga horária semanal: os docentes da educação pré-escolar, básica, da alfabetização e educação de adultos e do ensino secundário têm direito a uma redução de 2, 4, 6 e 8 horas lectivas por semana, após 15, 20, 25 e 30 anos de serviço docente prestado[6], enquanto que esta prerrogativa não é reconhecida às demais categorias de agentes docentes em análise.

Refira-se, ainda, que, ao se comparar os EPD’s com a legislação geral da função pública, constata-se que os professores com os graus de bacharelato, licenciatura ou superiores na área do ensino auferem remuneração relativamente superior à maioria dos funcionários do quadro comum da Administração Pública com idênticos graus. É certo, porém, que determinadas categorias de pessoal da Função Pública, submetidas a estatutos especiais, têm remuneração comparativamente superior à de docentes com idênticas habilitações (pessoal do quadro privativo das finanças, pessoal médico, magistrados judiciais e do ministério público, etc.).

Em contrapartida, em termos de disciplina e desempenho, exige-se muito mais dos professores dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar, básica, secundária e de educação de adultos que em relação aos demais funcionários da Administração Pública. Assim,
a) À luz deste EPD, as faltas ao serviço desses professores[7], quando injustificadas, são penalizadas de forma mais dura: 3 faltas seguidas ou 5 interpoladas podem implicar pena de suspensão (contra 5 seguidas ou 8 interpoladas em relação aos demais funcionários, para a mesma pena); 7 faltas seguidas ou 13 interpoladas podem implicar pena de inactividade (contra 8 faltas seguidas ou 12 interpoladas em relação aos demais funcionário para a mesma penas)[8];
b) Nos termos do mesmo EPD, o comportamento exigido ao professor, do ponto de vista ético ou da moral, é de maior rigor, a ponto de incorrer em demissão o agente docente que namorar ou tiver relações sexuais com alunos…
Este rigor em relação ao comportamento do professor tem a ver com a natureza da profissão docente, que além de um saber especializado, se rege por uma deontologia própria.

2. Conceito e relevância da deontologia profissional do pessoal docente

São inerentes aos paradigmas modernos ou emergentes de educação determinados códigos deontológicos que variam em função das profissões (gestores, inspectores, professores), mas que têm em comum o facto de tais códigos serem constituídos por normas de natureza eminentemente jurídica mas com uma forte dimensão de ordem ética e moral.

Na verdade, a definição de qualquer deontologia profissional deve ser construída mediante a conjugação dos deveres profissionais consagrados pelo ordenamento jurídico-estadual com os deveres profissionais que resultam de normas morais e de trato social, que a consciência colectiva reputa como sendo necessárias e, quiçá, indispensáveis a uma prática profissional salutar, em prol do interesse público.

A deontologia profissional do professor não foge à regra: o seu núcleo essencial é constituído pelas normas jurídicas que o Estado adopta para regular o exercício dessa profissão, especialmente em termos de deveres. No entanto, a esse núcleo essencial se associa, de forma harmónica, uma série de outras normas, de natureza técnica e de conteúdo moral e ético, que contribuem para moldar um código de conduta profissional próprio de um professor.

A deontologia profissional docente está intrinsecamente ligada à missão da educação: promover o desenvolvimento integral dos indivíduos, de modo a que, através de conhecimentos, atitudes e acções consequentes, possam, por um lado, contribuir para o bem comum e, por outro (e concomitantemente), para sua própria realização.

A missão de educar não se esgota, pois, no desenvolvimento de competências cognitivas, tendo, igualmente, dimensões éticas (traduzidas em valores, atitudes e comportamentos) que permitem contribuir para uma reprodução da sociedade e dos indivíduos numa escala sempre ascendente, ou seja, a perspectiva da sua realização crescente e da busca incessante de perfeição.

Encarada nas suas diversas e integradas dimensões, a educação é uma tarefa de toda a sociedade mas que apresenta desafios e responsabilidades específicas aos agentes educativos, em particular ao docente, a quem cabe contribuir, através do trabalho pedagógico, para que a educação cumpra as suas funções essenciais, a saber: o desenvolvimento intelectual, moral e social dos indivíduos; a promoção da cultura geral; o desenvolvimento dos automatismos básicos de aprendizagem; a preparação para o exercício da cidadania e a vida activa; a preparação e a orientação para o exercício ulterior de uma profissão.

Se é evidente a perspectiva axiológica da educação, não menos evidente será o papel daquele (referimo-nos ao professor) cuja profissão consiste organizar o processo de aprendizagem de modo tal que resulte a prestação de um serviço educativo de qualidade, que é aquele que garante a capacitação indivíduos de modo a contribuírem para o desenvolvimento sustentável da sociedade (que financia a educação, porque dela precisa) e para a sua própria realização individual e colectiva, enquanto membros da mesma sociedade.

Por ser uma profissional que orienta a sua acção no sentido de, em cooperação com os demais agentes educativos, promover a realização de uma acção educativa ao serviço de toda a sociedade, o professor possui um código de conduta profissional exigente, cujo núcleo essencial – os deveres profissionais – vem definido, como vimos, na legislação vigente, que vamos abordar nos seus traços essenciais.

3. Análise da deontologia profissional do professor à luz do direito vigente

Antes de mais, importa lembrar que ao professor, enquanto funcionário público, são aplicáveis as normas jurídicas por que se rege o funcionalismo público cabo-verdiano em geral, sem prejuízo das que lhe são específicas. Assim, a deontologia profissional do docente inclui, essencialmente, os deveres dos cidadãos, os deveres dos funcionários em geral, e os deveres especiais constantes dos respectivos Estatutos.

A deontologia profissional do professor não pode ser bem apreendida fora do quadro normativo por que se regem a sociedade e o sistema educativo, nem tampouco à margem das normas gerais da Administração Pública ou mesmo das que regulam aspectos essenciais da convivência social, pois que do conjunto das normas do ordenamento jurídico cabo-verdiano derivam princípios e normas de conduta que o docente deve, naturalmente, ter em devida conta no exercício da sua profissão. Assim, por exemplo, no exercício da sua profissão, o docente está vinculado à observância de um conjunto regras deontológicas como: a legalidade, a imparcialidade, o apartidarismo, a discrição, o sigilo profissional, a lealdade institucional, o zelo, a urbanidade, a exemplaridade e a probidade na vida privada, social e profissional, etc.

É certo que a deontologia profissional não se esgota nos deveres jurídicos, mas estes, como referimos, constituem o seu núcleo essencial, tanto mais que, enquanto normas jurídicas, são de cumprimento obrigatório, incorrendo o respectivo infractor em procedimento disciplinar.

3.1. Deveres específicos do docente

Na verdade, há um vasto conjunto de normas deontológicas que deve impregnar a actividade profissional do professor, tal como consta, aliás, do artigo 6º do EPD dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar, básica, secundária e de educação de adultos, do artigo 53º do EPD do ensino superior e do artigo 5º do EPD do Instituto Pedagógico.

Limitando-nos ao primeiro dos estatutos referidos, a norma citada refere que, para além dos deveres gerais inerentes ao exercício da função pública – ou seja, dos deveres gerais dos funcionários da Administração Pública constantes do EDAAP (Estatuto Disciplinar dos Agentes da Administração Pública), o docente dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar, básica, secundária e de educação de adultos possui deveres específicos, a saber:
a) Contribuir para a formação e realização integral dos alunos;
b) Manter um comportamento exemplar perante alunos e menores em geral, abstendo-se, nomeadamente, de estabelecer relações sexuais ou amorosas com os mesmos ou de os assediar sexualmente;
c) Colaborar com todos os intervenientes do processo educativo, favorecendo a criação e o desenvolvimento de relações de respeito mútuo, em especial entre docentes, alunos, encarregados de educação e pessoal não docente.
d) Participar na organização e assegurar a realização das actividades educativas;
e) Gerir o processo de ensino-aprendizagem, no âmbito dos programas definidos;
f) Enriquecer e partilhar os recursos educativos, bem como utilizar novos meios de ensino que lhes sejam propostos, numa perspectiva de abertura à inovação e de reforço da qualidade da educação e do ensino;
g) Co-responsabilizar-se pela preservação e uso adequado de equipamentos e instalações e propor medidas de melhoramento e renovação;
h) Participar, de forma empenhada, nas acções de formação contínua organizadas pelo departamento governamental responsável pela educação ou em quaisquer outras iniciativas de capacitação ou actualização profissional que lhe disserem respeito, quer na qualidade de formador, quer na de formando;
i) Assegurar a realização de actividades educativas de acompanhamento de alunos, destinadas a suprir a ausência imprevista e de curta duração do respectivo docente;
j) Cooperar com os restantes intervenientes do processo educativo na detecção da existência de casos de crianças ou jovens com necessidade educativas especiais;
k) Manter os órgãos de gestão das escolas informadas sobre os problemas que se detectem no funcionamento das escolas e dos cursos;
l) Participar nos actos constitutivos dos órgãos de gestão das escolas.

NB: Os deveres específicos dos docentes de ensino superior público vêm detalhados no artigo 53º do respectivo Estatuto, enquanto que os do professor do Instituto Pedagógico constam do artigo 5º do seu EPD.

3.2. Deveres gerais do professor enquanto funcionário público

Como assinalámos, os professores dos diversos níveis, enquanto funcionários públicos, estão igualmente vinculados aos deveres que a lei impõe aos demais agentes da Administração Pública. Assim, os EPD’s que vimos analisando dispõem que são aplicáveis aos professores os deveres gerais dos funcionários, prescritos no artigo 3º do EDAAP. Assim, a observância da legalidade, a prossecução do interesse geral, a isenção, a imparcialidade, o apartidarismo, a lealdade institucional, a urbanidade, o respeito e a consideração dos outros, a probidade, o segredo profissional integram-se nos deveres gerais do funcionário público (logo, dos docentes dos estabelecimentos públicos de educação), que passamos a transcrever na íntegra:

a) Respeitar a Constituição, os símbolos nacionais, as instituições da república e respectivos titulares;
b) Respeitar e garantir o livre exercício dos direitos e liberdades e o cumprimento dos deveres constitucionais e legais dos cidadãos;
c) Estar ao serviço do interesse geral definido pelos órgãos competentes da Administração Pública, nos termos da lei e de harmonia com ordens e instruções legítimas dimanadas dos superiores hierárquicos;
d) Observar e fazer observar, rigorosamente, os regulamentos;
e) Assegurar a eficácia, o prestígio e a dignidade da Administração Pública, participar activamente na realização dos objectivos e defender os interesses do Estado;
f) Agir com isenção, imparcialidade e rigoroso apartidarismo político, em ordem a criar no público confiança na acção da Administração Pública;
g) Cultivar a lealdade institucional, a pontualidade, assiduidade, o rigor, o escrúpulo, desenvolver o espírito de iniciativa, a produtividade, a competência e o zelo profissional e contribuir para a prestação de um serviço público de qualidade;
h)Cumprir exacta, imediata e lealmente as ordens ou instruções, escritas ou verbais, dos superiores hierárquicos em objecto de serviço, salvo se a ordem ou instrução implicar a prática de crime e sem prejuízo do direito de respeitosa representação;
i) Tratar com urbanidade e respeito os utentes dos serviços públicos e ser-lhes prestável, designadamente, dando satisfação célere às suas solicitações legítimas, adoptando o procedimento legal que lhes seja mais favorável, não lhes exigindo formalidades ou pagamentos não impostos expressamente por lei ou regulamento e não lhes provocando incómodos, perdas de tempo ou gastos desnecessários;
j) Dar prioridade, no atendimento, às pessoas idosas, doentes ou com deficiência, às grávidas, aos menores e a outras pessoas em situação de vulnerabilidade;
l) Agir com correcção e consideração para com os superiores hierárquicos, colegas e subordinados;
m) Guardar segredo profissional relativamente aos assuntos de que tenham conhecimento em virtude do exercício das suas funções e sobre os quais não tenham autorização do respectivo superior hierárquico para a sua revelação ao público, sem prejuízo do direito dos cidadãos a serem informados obre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados e do direito de acesso dos cidadãos a arquivos e registos administrativos, nos termos das leis e regulamentos;
n) Proceder disciplinarmente, nos termos da lei, relativamente às infracções praticadas pelos seus subordinados e participar superiormente as que exijam intervenção de outras autoridades;
o) Avaliar o desempenho dos seus subordinados e informar a respeito dos mesmos, com rigor, isenção e justiça;
p) Aperfeiçoar a sua formação profissional, nomeadamente, no que respeita às matérias que interessam às funções que exerçam;
q) Não solicitar nem retirar vantagens de qualquer natureza das funções que desempenham e agir com independência e isenção em relação aos interesses e pressões particulares;
r) Agir, na sua vida privada, com probidade de modo a não desprestigiar a função que exercem”.

4. Outros aspectos essenciais da carreira do pessoal docente

4.1. Direitos profissionais

Como é evidente, ao docente não são impostos apenas deveres. A lei e os respectivos Estatutos consagram-lhes, igualmente, direitos e outras prerrogativas.

Assim, e referindo-nos especificamente, ao pessoal docente dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar, básica, secundária e de educação de adultos, o seu EPD reconhece-lhes, a par dos direitos estabelecidos para os funcionários e demais agentes do Estado em geral[9], os seguintes direitos profissionais (que, aliás, são igualmente reconhecidos aos docentes dos demais níveis de ensino público):
a) Participar no funcionamento do sistema educativo e na vida da escola;
b) Participar na orientação pedagógica dos estabelecimentos de ensino;
c) Participar em experiências de inovação pedagógica;
d) Eleger e ser eleito para os órgãos de gestão das escolas, nos termos previstos na lei;
e) Ter aceso à formação com vista à actualização e reforço dos conhecimentos e evolução na carreira;
f) Dispor dos apoios e recursos necessários ao bom exercício da profissão;
g) Dispor de segurança social e na actividade profissional, nos termos da lei.

Este último direito compreende, nomeadamente:
a) Assistência médica e medicamentosa;
b) A protecção por acidente em serviço, nos termos da legislação aplicável, bem como, a prevenção e tratamento das doenças que venham a ser definidas em decreto-regulamentar, como resultando necessária e directamente do exercício continuado da função docente.
c) A penalização, nos termos da legislação penal aplicável, da prática de ofensa corporal ou outra violência sobre docente no exercício das suas funções ou por causa destas.

4.2. Relação jurídica do trabalho docente

O docente, como os demais funcionários públicos, pode ser recrutado para exercer a sua actividade profissional em regime de emprego e em regime de carreira
O regime de emprego traduz-se no recrutamento mediante contrato, que é a única forma de provimento dos docentes não pertencentes ao quadro:
O regime de carreira implica o provimento através da nomeação, que tem carácter vitalício

4.3. Desenvolvimento profissional do pessoal docente

O desenvolvimento profissional do pessoal docente em regime de nomeação efectua-se através de promoção e progressão.

Entende-se por promoção a mudança do docente de um cargo para o imediatamente superior àquele que detém dentro da respectiva carreira. Devendo, em princípio, ser precedida de uma progressão, a promoção depende, geralmente, da verificação cumulativa das seguintes condições:
a) Existência de vagas;
b) Tempo mínimo de serviço no cargo imediatamente inferior, de acordo com o regime legalmente estabelecido[10];
c) Desempenho satisfatório[11];
d) Aprovação em concurso;
e) Formação, quando a lei o exija (critério não exigido ao docente do Instituto Pedagógico e do Ensino Superior).

No caso do docente do ensino superior, outro critério exigido é a “prestação de serviços à comunidade”

Por seu turno, a progressão é a mudança do docente de um escalão para o imediatamente superior dentro da mesma referência. A progressão na carreira docente depende da verificação cumulativa das seguintes condições:
a) – Três anos de serviço efectivo e ininterrupto no escalão imediatamente inferior, salvo no caso dos docentes do ensino superior, em que o tempo mínimo é de 5 anos;
b) – Desempenho satisfatório[12].

No caso do docente de ensino superior, são ainda tidos como critérios para a progressão na carreira os seguintes: horas de docência, exercício de cargo de gestão, publicação de trabalhos de investigação e prestação de serviço à comunidade.

4.4. Avaliação de desempenho

Todos os funcionários estão sujeitos a avaliação anual de desempenho. Como se refere no EPD do Instituto Pedagógico (artº 15º) e no EPD dos estabelecimentos de educação pré-escolar, básica, secundária e da educação de adultos (artº 29º), são objectivos da avaliação de desempenho:
a) Melhorar a qualidade da educação e do ensino ministrados;
b) Adequar a organização do sistema educativo às necessidades educacionais;
c) Melhorar a prestação pedagógica e a qualidade profissional dos docentes;
d) Valorizar e aperfeiçoar o trabalho dos docentes.

Segundo os referidos EPD’s, a avaliação de desempenho do pessoal incide sobre a actividade profissional desenvolvida pelos docentes na educação e no ensino, tendo em conta as suas qualificações profissionais e científicas e é reportada a períodos de tempo específicos.

As normas gerais relativas à avaliação de desempenho do pessoal docente dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar, do ensino básico e secundário e da alfabetização e educação de adultos, constantes do respectivo Estatuto do Pessoal Docente, são retomadas e desenvolvidas pelo Decreto-regulamentar nº 10/2000, de 4 de Setembro.

A avaliação do pessoal docente nos demais níveis de ensino, particularmente no ensino superior público, carece de regulamentação específica.

Refira-se que o Decreto-regulamentar nº 10/2000 prevê que a avaliação de despenho do docente é de carácter contínuo e sistemático, sem prejuízo da avaliação anual, que tem lugar, ordinariamente, entre Julho e Setembro, por iniciativa do órgão de direcção do respectivo estabelecimento de ensino, que deve ter em conta o parecer do correlativo órgão de gestão pedagógica (Núcleo Pedagógico, Conselho Pedagógico) ou por iniciativa do próprio professor que, neste caso, e no momento adequado (até 20 de Junho), deve desencadear o processo, através de um relatório de autoavaliação que será objecto de apreciação e decisão pelo órgão de gestão da respectiva escola.

O diploma prevê ainda dispositivos diferenciados de avaliação dos professores investidos em actividades lectivas e dos afectos às actividades de gestão e coordenação.

Algumas das particularidades deste diploma residem: no facto de prever amplas garantias ao avaliado, que pode assim accionar vários mecanismos de modo a lograr uma avaliação justa; na circunstância de o docente não ficar com a classificação de Bom caso não tiver sido avaliado por razões que não lhe são imputáveis. Neste caso, nem o docente fica sem avaliação nem lhe é atribuída a classificação máxima, restando-lhe sempre a possibilidade de ele propor para si mesmo uma avaliação de Muito Bom em face do silêncio da Administração, desde que se julgue no direito de ter uma avaliação superior.

NB: Para um conhecimento mais aprofundado das carreiras de pessoal docente do ensino público, recomenda-se o estudo dos respectivos Estatutos e (Decreto-Legislativo nº 2/2004, de 29 de Março; Decretos-Legislativos nºs 1/99 e 2/99, ambos de 15 de Fevereiro, e o Decreto-Lei nº 82/2005, de 12 de Dezembro) e respectivos regulamentos, citados no início deste texto.

Bartolomeu Varela
[1] O facto de os professores do ensino público serem considerados funcionários públicos coloca os institutos públicos do ensino perante a situação de terem de gerir o seu pessoal segundo regimes jurídicos diferentes: os docentes regem-se por leis da Função Pública e os demais trabalhadores pelo regime jurídico geral das relações de trabalho. Este facto não só torna complexa como a gestão dos recursos humanos como introduz elementos de alguma rigidez nos processos de recrutamento e gestão de docentes, porventura com efeitos perversos, sobretudo se se tem em conta a necessidade de o ensino superior público se preparar para actuar num mercado cada vez mais competitivo.
[2] Das 27 horas, 22 são horas lectivas e 5 são horas não lectivas.
[3] Das 24 horas, 16 são horas lectivas e 8 são horas não lectivas.
[4] Das 40 horas, são horas lectivas 8 a 12 horas (para os monitores, são 6 horas), sendo as restantes passíveis de ocupação com actividades não lectivas.

[5]Além das férias anuais, os professores têm direito a “férias” ou a suspensão de actividades lectivas, nomeadamente no fim de cada período escolar. O EPD do ensino superior estabelece que os docentes deste nível têm direito às férias correspondentes às respectivas escolas, sem se referir expressamente as férias anuais, pelo que se recorre à lei geral, atribuindo aos docentes, pelo menos, 22 dias úteis de férias no fim do ano lectivo, além das férias semestrais.

[6] Como o professor do ensino básico, que ainda apenas lecciona em regime de mono-docência, não consegue, na prática, gozar o direito de redução de carga horária lectiva semanal, a lei atribui-lhe, em compensação, subsídios de 10, 20, 30 ou 40% do seu vencimento após 15, 20, 25 e 30 anos de serviço, respectivamente. Esta prerrogativa não é atribuída aos demais docentes, que gozam efectivamente, o direito à redução de horário de trabalho.

[7] Note-se que as faltas ao serviço desses professores (assim como as do pessoal docente do Instituto Pedagógico) não se definem simplesmente pela ausência a um dia útil de trabalho, que é de 8 horas, para o funcionário público. Na verdade, para tais docentes, falta é o quociente da divisão por 5 do nº de horas semanais do professor. Para os docentes da educação pré-escolar e básica, da educação de adultos e do ensino secundário, equipara-se ainda a falta a um dia a ausência ao serviço de exames e a uma reunião de avaliação e a dois tempos lectivos a ausência a outras reuniões de natureza pedagógica.
[8] No caso das faltas injustificadas passíveis de aposentação compulsiva ou demissão, a regulação é a mesma para os docentes e os demais funcionários: 12 faltas seguidas ou 15 interpoladas implicam uma dessas penas expulsivas.
[9] Esta remissão à legislação geral aplicável aos funcionários importante, pois permite aos professores beneficiar de todos os direitos dos agentes da Administração Pública, além dos específicos da sua profissão..
[10] De acordo com a lei geral, o tempo mínimo para a promoção é de 4 anos. Entretanto, para o pessoal docente do ensino superior, esse tempo mínimo é de 5 anos
[11] O EPD do Instituto Pedagógico exige que a avaliação de desempenho seja de Bom, para efeitos de promoção. Já o EPD do ensino superior, em vez do requisito em causa, exige “Avaliação científica”.
[12] O EPD do Instituto Pedagógico exige que a avaliação de desempenho para efeitos de progressão seja de Bom durante os últimos três anos de serviço docente.

Notas sobre o Direito comparado e a Educação comparada



1. Importância do Direito Comparado em geral

O facto de cada Estado ter o seu próprio Direito Interno faz com que existam vários ordenamentos jurídicos no Mundo. O objecto do Direito Comparado consiste no estudo do Direito existente em diversos Estados (isto é de ordens jurídicas estaduais), utilizando o método comparativo.

Conforme adverte Castro Mendes (1983), o Direito Comparado não é mais um ramo de Direito, ou seja, não se ocupa do estudo de um conjunto unificado de normas segundo determinado critério. Segundo este autor (1983), Direito Comparado é a actividade intelectual de conhecimento, consistente no registo e explicação, entre realidades jurídicas comparáveis, de semelhanças e diferenças.

Nessa actividade, pode fazer-se a comparação de ordens jurídicas de distintos estados, na sua totalidade, destacando-se entre elas semelhanças e diferenças (tem-se, assim, a chamada macro-comparação) ou então comparar institutos ou figuras jurídicas particulares de distintos estados (tem-se aqui a micro-comparação).

A relevância do estudo do Direito Comparado é tanto mais actual quanto é certo que os fenómenos da globalização da economias e das relações internacionais exigem das sociedades nacionais um esforço de aproximação, em termos de referências científico-técnicas, culturais e educacionais, como condição necessária para a construção de uma comunidade internacional mais justa e mais susceptível de garantir as legítimas aspirações dos povos e dos cidadãos dos diversos países, no respeito, embora, pelas realidades próprias e as especificidades culturais e identitárias de cada comunidade nacional.

O Direito Comparado procura, desta forma, servir os interesses de ordem internacional e nacional.

No plano internacional, o Direito Comparado ajuda a melhorar as relações internacionais ao facilitar a compreensão dos vários sistemas jurídicos existentes.

No plano interno de cada Estado, o Direito Comparado ajuda a interpretar determinadas normas, contribuindo para melhor compreensão do Direito e serve de guião ou referência para reformas legislativas ou criação de novas leis.

2. O Direito Comparado em matéria educacional

A expansão da educação é uma realidade mundial, ainda que se revista de especificidades em função do estádio de evolução e das opções de política educativa dos diferentes países.

A evolução da educação e do ensino nos diferentes países apresenta um rico e diversificado campo de experiências cujo estudo interessa sobremaneira, tendo em conta as ilações que daí podem ser extraídas, a nível de cada Estado ou numa perspectiva sub-regional, continental ou mundial, na procura de soluções mais efectivas para a adequação ou aperfeiçoamento ulterior dos sistemas educativos, em prol do progresso global das sociedades.

O Direito Educacional desenvolve-se e enriquece-se tanto através da praxe jurídico-legislativa de cada um dos países como também das experiências e ensinamentos susceptíveis de serem colhidos da “Educação Comparada”, ou seja, da análise comparativa dos sistemas educativos e, em particular, das normas jurídicas educacionais adoptadas por diferentes países. Assim sendo, interessam ao Direito Educativo o conhecimento e a sistematização das fontes de pesquisa mais significativas sobre a educação e a legislação educacional no mundo.

Vejamos, em seguida, o que o estudo comparado da educação e da legislação educacional nos evidencia nalguns casos, devendo o estudante das Ciências de Educação aprofundar e alargar o âmbito da pesquisa.

3. Educação Comparada: Cabo Verde e outros países

3.1 Estrutura dos sistemas educativos de Portugal, Brasil e Cabo Verde

Se bem que possuam similitudes com o sistema educativo cabo-verdiano, os sistemas educativos de Portugal e do Brasil têm peculiaridades que se justificam pelo facto de corresponderem a realidades muito diferentes. Se, em relação a finalidades gerais, é possível identificar muitas semelhanças, que encontramos igualmente nos objectivos ou competências dos alunos ao fim de determinado número de anos de escolaridade, já a estruturação e a duração das diferentes fases ou ciclos dos sistemas educativos apresentam diferenças marcantes, que importa estudar. Assim:

Portugal – De acordo com a Lei de Bases do Sistema Educativo, a educação está organizada em subsistemas hierarquizados, aparecendo na base a educação pré-escolar, de acesso facultativo a crianças a partir dos 3 anos, seguida do ensino básico, estruturado em três ciclos (o primeiro, de 4 anos, o segundo de dois anos e o terceiro ciclo de 3 anos), dando lugar, seguidamente, ao ensino secundário, com a duração de 3 anos, cuja conclusão permite o acesso ao ensino superior.

Brasil – O sistema educativo compreende dois grandes subsistemas, a saber: a educação básica, que inclui a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio; a educação superior.
O conceito de educação básica foi ampliado a partir da Lei de Directrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, pois a lei anterior estabelecia como básico o ensino chamado de primeiro grau. Desta forma, a nova lei considera como básica para um cidadão a formação que engloba uma educação básica fundamental e obrigatória de oito ou nove anos contínuos e uma educação básica média, progressivamente obrigatória, de três anos. A LDB considera que a educação infantil corresponde ao ensino realizado em creches e pré-escolas, o ensino fundamental se refere ao antigo “primeiro grau” e o ensino médio ao antigo “segundo grau” (separado da formação profissional).
Cabo Verde – O sistema educativo do nosso país compreende uma educação pré-escolar de acesso facultativo a crianças com idades compreendidas entre os 3 anos e a idade de ingresso no ensino básico; um ensino básico de 6 anos e obrigatória; um ensinos secundário de acesso facultativo e não gratuito e com duração de 6 anos; um ensino médio e um ensino superior.
Breve comentário: Ao analisar os dados recolhidos sobre a estrutura dos sistemas educativos dos três países, constatamos que as diferenças essenciais residem: na circunstância de, em Cabo Verde, a educação básica obrigatória ser de menor duração que em Portugal (9 anos) e Brasil (8 ou 9 anos); no facto de que o Brasil possui uma educação básica média de 3 anos, que é progressivamente obrigatória, desconhecendo o ensino secundário (não obrigatório) que vigora em Cabo Verde e em Portugal, ainda que com duração diferente nestes dois países (6 e 3 anos, respectivamente).

3.2. Instituições de ensino, natureza e financiamento (Brasil, Portugal e Cabo Verde)

Entende-se por instituições de ensino estruturas sociais voltadas para a educação. Nesta matéria, o que regula a Lei de Directrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, assemelha-se ao regime vigente em Cabo Verde e em Portugal.

Assim, o sistema educacional brasileiro, de acordo com a LDB, admite o princípio da "coexistência de instituições públicas e privadas de ensino", princípio igualmente constante das leis (nomeadamente as Constituições e as Leis de Bases de Cabo Verde e de Portugal). Dessa forma, o ensino está aberto à iniciativa privada, que é livre, atendidas determinadas condições, como o "cumprimento das normas gerais da educação nacional e do respectivo sistema de ensino" e a "autorização de funcionamento e avaliação de qualidade pelo Poder Público", nas expressões constantes da LDB.
Do modo análogo ao que acontece em Portugal e em Cabo Verde, a LDB delimita a natureza das instituições de ensino ao classificá-las em duas categorias administrativas: as públicas, "assim entendidas as criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo Poder Público" e as privadas, que são as "mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado". As instituições privadas se enquadram em "particulares em sentido estrito", comunitárias, confessionais e filantrópicas.
No que respeita ao regime de financiamento, a LDB, como nos dois outros países, estabelece, como regra, a "capacidade de auto-financiamento" da iniciativa privada, assegurando o princípio da "gratuitidade do ensino público em estabelecimentos oficiais", ainda que esse carácter gratuito já não se verifique, de modo igual, nos diferentes níveis, nos países considerados. Como marca específica, assinalamos, no caso do Brasil, o facto de que a LDB define que os recursos públicos devem ser prioritariamente "destinados à escola pública, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas" em forma de bolsa, em casos especiais, como insuficiência de recursos e falta de vagas ou cursos regulares na rede pública.

3.3. Carga horária dos alunos da União Europeia e de Cabo Verde

A carga horária anual de aulas regista grandes diferenças entre os países da União Europeia (EU). Em Portugal, Grécia, Itália e Islândia o número mínimo de horas lectivas ou de ensino, por ano, é menor no ensino secundário do que no 3º ciclo do ensino básico. Em Portugal, os estudantes dos 7º, 8º e 9º anos de escolaridade (3º ciclo do ensino básico) têm cerca de 875 horas de aulas por ano, enquanto os alunos do ensino secundário não ultrapassam as 613 horas, em média anual.
Trata-se de um percurso bem diferente do da Alemanha (790 horas no secundário inferior e 846 no superior), Dinamarca (780 no secundário inferior e 900 no superior), Espanha (866 no secundário inferior e 930 no superior) e Áustria (870 no secundário inferior e 960 no superior), países onde o número de horas dedicadas ao ensino aumenta proporcionalmente ao grau de escolaridade.
Outro parâmetro analisado reporta-se à importância dada pelos sistemas educativos dos diferentes países, em termos de carga horária, às disciplinas obrigatórias. E se aos 13 anos todos os alunos têm praticamente as mesmas matérias obrigatórias, a verdade é que o tempo consagrado às mesmas varia de país para país, embora a língua materna, a matemática e uma língua estrangeira ocupem, na maioria dos países, as posições mais importantes. Em Portugal, o ensino da língua portuguesa e o da matemática representam, cada um, 13% da carga horária e as línguas estrangeiras 10%.
No ensino secundário, as diferenças entre os países são muito mais significativas, tanto nas matérias dadas como nas cargas horárias.

Em Cabo Verde, tem havido um esforço louvável no sentido de aos alunos ser assegurada uma carga horária que lhes permita alcançar os objectivos de aprendizagem preconizados para os respectivos níveis de ensino. Actualmente, os alunos do ensino básico possuem 207 dias lectivos e os do ensino secundário 198 dias (Se se multiplicar o número de dias lectivos por 4,5 horas, que é, normalmente, a duração média das aulas em Cabo Verde, tem-se, respectivamente, uma previsão de 931e 891 horas, respectivamente, números esses que são, todavia, algo “lisonjeiros” ou “optimistas”, posto que, na prática, o absentismo de professores e alunos, aliado ao desperdício do tempo escolar, por causas diversas, leva a que a situação efectiva seja menos boa. Recomendamos, entretanto, uma pesquisa a partir do calendário escolar e dos planos curriculares vigentes em Cabo Verde, por um lado, e das praxes educativas nas nossas escolas, por outro lado, de modo a melhor conhecer a realidade do ensino cabo-verdiano neste aspecto de crucial importância

3.4. Autonomia e poder de decisão das escolas europeias e cabo-verdianas
A nível da organização do sistema escolar, e apenas para as escolas públicas, tomemos para análise quatro variáveis: a delimitação do calendário escolar, a gestão do corpo docente, a utilização dos recursos financeiros e os aspectos pedagógicos do ensino. Como é natural, todas estas questões estão relacionadas com o grau de autonomia dos estabelecimentos de ensino, que varia de país para país e, por vezes, dentro do próprio país, em função do tipo de estabelecimento e do grau de ensino
Assim, em Portugal, tanto no ensino básico como no secundário, o grau de autonomia das escolas é muito limitado, salvo no que respeita à repartição dos matérias ministradas ao longo do ano lectivo, à aplicação dos parcos recursos financeiros disponibilizados para o funcionamento do estabelecimento de ensino (com excepção das escolas do 1º ciclo) e à designação do presidente do conselho executivo. Já no que respeita à escolha dos manuais escolares as escolas têm total autonomia para o fazer e, quanto aos métodos de ensino, é caso para se dizer que cada professor é rei.
Na União Europeia, é na Suécia e no Reino Unido que as escolas têm maior grau de autonomia, apesar de muitas decisões também serem tomadas de acordo com as orientações dos responsáveis governamentais pela área da educação. Mas autonomia implica responsabilidade e as escolas, todos os anos, são avaliadas. A gestão do calendário escolar, por exemplo, é decidida em todos os países pelo Ministério da Educação, embora na Suécia essa decisão seja tomada em sede de concertação e os estabelecimentos de ensino tenham autonomia para, de forma participada, decidir o número de horas de ensino a serem ministradas durante o ano lectivo.
Quanto à contratação e gestão do pessoal docente, o modelo dominante nos países da UE denota a ausência de autonomia ou uma débil autonomia para decidir estas matérias. Excepções, neste capítulo são a Inglaterra, a Holanda e a Comunidade Flamenga da Bélgica, países onde os estabelecimentos de ensino têm autonomia plena para recrutar a generalidade do pessoal docente e não docente de que precisam para o serviço educativo.
No que respeita à escolha dos manuais escolares e métodos de ensino, a autonomia é quase geral, com a excepção da Alemanha, Espanha, Luxemburgo, Islândia e Liechtenstein, onde a autonomia é limitada

Cabo Verde está em processo de construção da autonomia das escolas, tendo dado passos significativos no sentido de as escolas, à medida em que forem consolidando os avanços na sua gestão e nas práticas educativas, ganharem mais autonomia e poder de decisão. Assim, as escolas secundárias viram reforçados em 2002 os seus poderes de decisão em várias matérias, passando a ter maior autonomia administrativa e financeira; mais poderes de gestão dos recursos humanos que lhes são afectos (distribuição do serviço educativo, controlo e acção disciplinar, avaliação); capacidade de gerir a carga horária lectiva, o calendário escolar e os programas oficialmente definidos; maior autonomia disciplinar na resolução das questões de natureza comportamental em que estejam envolvidos alunos, professores e demais funcionários da escola, com o poder de instaurar e instruir processos disciplinares e bem assim de aplicar algumas sanções; poder regulamentar, ou seja, a capacidade de se dotarem de regulamentos internos, etc. Porém, não têm liberdade de recrutar o seu pessoal, salvo algum pessoal auxiliar (ainda assim com prévia autorização superior) e, no que se refere ao pessoal docente, só são envolvidas na realização dos testes de selecção e na determinação das vagas a serem preenchidas; não determinam, livremente, a escolha dos manuais escolares.

3.5. Ensino de línguas estrangeiras e maternas

O ensino de uma língua estrangeira desde o ensino primário é já uma rotina em todos os países da União Europeia e, inclusive em Portugal. A diferença entre Portugal e os seus congéneres europeus é que, nestes, a aprendizagem de uma segunda língua (em média, duas em cada três crianças aprendem inglês) é gratuita enquanto que em Portugal são os pais que pagam a actividade, pelo menos no 1º ciclo (84 por cento das crianças do 1º ao 4º ano aprende inglês, segundo um relatório!). De qualquer forma, no ensino primário a segunda língua só é obrigatória no Luxemburgo e na Noruega.
Quanto ao ensino secundário inferior (que, normalmente, coincide com os três primeiros anos do ensino secundário em Cabo Verde), todos os jovens europeus, independentemente do País, estudam pelo menos uma língua estrangeira: em média 91 por cento dos alunos estudam o inglês, 34 por cento o francês, 15 por cento o alemão e 10 por cento o espanhol. Note-se que a preponderância do inglês como língua estrangeira é uma realidade em todos os países que têm outra língua pátria, excepto na Islândia. O francês é a segunda língua estrangeira mais estudada dentro da União Europeia, seguida do alemão que, em Luxemburgo, é uma das línguas oficiais obrigatórias. Já no ensino secundário superior e no conjunto dos países da União Europeia, a percentagem de estudantes que estuda pelo menos uma língua estrangeira é idêntica, independentemente de frequentarem a via científica ou profissional.

Em Cabo Verde, não se estuda qualquer língua estrangeira no ensino básico (público), enquanto, no primeiro ciclo do ensino secundário, a oferta de uma das duas línguas estrangeiras (Francês e Inglês) é condicionada, devendo o aluno “optar” por uma das duas (opção fictícia, pois, na falta de capacidade de resposta às opções dos alunos, é a escola que decide a língua a estudar), com a obrigação de o aluno vir a estudar ambas as disciplinas nos ciclos subsequentes, com os inconvenientes que se conhecem.

No Brasil, um aspecto que merece realce é o facto de as línguas indígenas serem utilizadas no ensino básico, não se podendo ainda dizer o mesmo em relação a Cabo Verde quanto à utilização da língua materna (o crioulo) como língua de ensino.

Bartolomeu Varela
Manual de Direito Educativo (2005)

Notas sobre o Direito comparado e a Educação comparada



1. Importância do Direito Comparado em geral

O facto de cada Estado ter o seu próprio Direito Interno faz com que existam vários ordenamentos jurídicos no Mundo. O objecto do Direito Comparado consiste no estudo do Direito existente em diversos Estados (isto é de ordens jurídicas estaduais), utilizando o método comparativo.

Conforme adverte Castro Mendes (1983), o Direito Comparado não é mais um ramo de Direito, ou seja, não se ocupa do estudo de um conjunto unificado de normas segundo determinado critério. Segundo este autor (1983), Direito Comparado é a actividade intelectual de conhecimento, consistente no registo e explicação, entre realidades jurídicas comparáveis, de semelhanças e diferenças.

Nessa actividade, pode fazer-se a comparação de ordens jurídicas de distintos estados, na sua totalidade, destacando-se entre elas semelhanças e diferenças (tem-se, assim, a chamada macro-comparação) ou então comparar institutos ou figuras jurídicas particulares de distintos estados (tem-se aqui a micro-comparação).

A relevância do estudo do Direito Comparado é tanto mais actual quanto é certo que os fenómenos da globalização da economias e das relações internacionais exigem das sociedades nacionais um esforço de aproximação, em termos de referências científico-técnicas, culturais e educacionais, como condição necessária para a construção de uma comunidade internacional mais justa e mais susceptível de garantir as legítimas aspirações dos povos e dos cidadãos dos diversos países, no respeito, embora, pelas realidades próprias e as especificidades culturais e identitárias de cada comunidade nacional.

O Direito Comparado procura, desta forma, servir os interesses de ordem internacional e nacional.

No plano internacional, o Direito Comparado ajuda a melhorar as relações internacionais ao facilitar a compreensão dos vários sistemas jurídicos existentes.

No plano interno de cada Estado, o Direito Comparado ajuda a interpretar determinadas normas, contribuindo para melhor compreensão do Direito e serve de guião ou referência para reformas legislativas ou criação de novas leis.

2. O Direito Comparado em matéria educacional

A expansão da educação é uma realidade mundial, ainda que se revista de especificidades em função do estádio de evolução e das opções de política educativa dos diferentes países.

A evolução da educação e do ensino nos diferentes países apresenta um rico e diversificado campo de experiências cujo estudo interessa sobremaneira, tendo em conta as ilações que daí podem ser extraídas, a nível de cada Estado ou numa perspectiva sub-regional, continental ou mundial, na procura de soluções mais efectivas para a adequação ou aperfeiçoamento ulterior dos sistemas educativos, em prol do progresso global das sociedades.

O Direito Educacional desenvolve-se e enriquece-se tanto através da praxe jurídico-legislativa de cada um dos países como também das experiências e ensinamentos susceptíveis de serem colhidos da “Educação Comparada”, ou seja, da análise comparativa dos sistemas educativos e, em particular, das normas jurídicas educacionais adoptadas por diferentes países. Assim sendo, interessam ao Direito Educativo o conhecimento e a sistematização das fontes de pesquisa mais significativas sobre a educação e a legislação educacional no mundo.

Vejamos, em seguida, o que o estudo comparado da educação e da legislação educacional nos evidencia nalguns casos, devendo o estudante das Ciências de Educação aprofundar e alargar o âmbito da pesquisa.

3. Educação Comparada: Cabo Verde e outros países

3.1 Estrutura dos sistemas educativos de Portugal, Brasil e Cabo Verde

Se bem que possuam similitudes com o sistema educativo cabo-verdiano, os sistemas educativos de Portugal e do Brasil têm peculiaridades que se justificam pelo facto de corresponderem a realidades muito diferentes. Se, em relação a finalidades gerais, é possível identificar muitas semelhanças, que encontramos igualmente nos objectivos ou competências dos alunos ao fim de determinado número de anos de escolaridade, já a estruturação e a duração das diferentes fases ou ciclos dos sistemas educativos apresentam diferenças marcantes, que importa estudar. Assim:

Portugal – De acordo com a Lei de Bases do Sistema Educativo, a educação está organizada em subsistemas hierarquizados, aparecendo na base a educação pré-escolar, de acesso facultativo a crianças a partir dos 3 anos, seguida do ensino básico, estruturado em três ciclos (o primeiro, de 4 anos, o segundo de dois anos e o terceiro ciclo de 3 anos), dando lugar, seguidamente, ao ensino secundário, com a duração de 3 anos, cuja conclusão permite o acesso ao ensino superior.

Brasil – O sistema educativo compreende dois grandes subsistemas, a saber: a educação básica, que inclui a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio; a educação superior.
O conceito de educação básica foi ampliado a partir da Lei de Directrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, pois a lei anterior estabelecia como básico o ensino chamado de primeiro grau. Desta forma, a nova lei considera como básica para um cidadão a formação que engloba uma educação básica fundamental e obrigatória de oito ou nove anos contínuos e uma educação básica média, progressivamente obrigatória, de três anos. A LDB considera que a educação infantil corresponde ao ensino realizado em creches e pré-escolas, o ensino fundamental se refere ao antigo “primeiro grau” e o ensino médio ao antigo “segundo grau” (separado da formação profissional).
Cabo Verde – O sistema educativo do nosso país compreende uma educação pré-escolar de acesso facultativo a crianças com idades compreendidas entre os 3 anos e a idade de ingresso no ensino básico; um ensino básico de 6 anos e obrigatória; um ensinos secundário de acesso facultativo e não gratuito e com duração de 6 anos; um ensino médio e um ensino superior.
Breve comentário: Ao analisar os dados recolhidos sobre a estrutura dos sistemas educativos dos três países, constatamos que as diferenças essenciais residem: na circunstância de, em Cabo Verde, a educação básica obrigatória ser de menor duração que em Portugal (9 anos) e Brasil (8 ou 9 anos); no facto de que o Brasil possui uma educação básica média de 3 anos, que é progressivamente obrigatória, desconhecendo o ensino secundário (não obrigatório) que vigora em Cabo Verde em Portugal, ainda que com duração diferente nestes dois países (6 e 3 anos, respectivamente).

3.2. Instituições de ensino, natureza e financiamento (Brasil, Portugal e Cabo Verde)

Entende-se por instituições de ensino estruturas sociais voltadas para a educação. Nesta matéria, o que regula a Lei de Directrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, assemelha-se ao regime vigente em Cabo Verde e em Portugal.

Assim, o sistema educacional brasileiro, de acordo com a LDB, admite o princípio da "coexistência de instituições públicas e privadas de ensino", princípio igualmente constante das leis (nomeadamente as Constituições e as Leis de Bases de Cabo Verde e de Portugal). Dessa forma, o ensino está aberto à iniciativa privada, que é livre, atendidas determinadas condições, como o "cumprimento das normas gerais da educação nacional e do respectivo sistema de ensino" e a "autorização de funcionamento e avaliação de qualidade pelo Poder Público", nas expressões constantes da LDB.
Do modo análogo ao que acontece em Portugal e em Cabo Verde, a LDB delimita a natureza das instituições de ensino ao classificá-las em duas categorias administrativas: as públicas, "assim entendidas as criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo Poder Público" e as privadas, que são as "mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado". As instituições privadas se enquadram em "particulares em sentido estrito", comunitárias, confessionais e filantrópicas.
No que respeita ao regime de financiamento, a LDB, como nos dois outros países, estabelece, como regra, a "capacidade de auto-financiamento" da iniciativa privada, assegurando o princípio da "gratuitidade do ensino público em estabelecimentos oficiais", ainda que esse carácter gratuito já não se verifique, de modo igual, nos diferentes níveis, nos países considerados. Como marca específica, assinalamos, no caso do Brasil, o facto de que a LDB define que os recursos públicos devem ser prioritariamente "destinados à escola pública, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas" em forma de bolsa, em casos especiais, como insuficiência de recursos e falta de vagas ou cursos regulares na rede pública.

3.3. Carga horária dos alunos da União Europeia e de Cabo Verde

A carga horária anual de aulas regista grandes diferenças entre os países da União Europeia (EU). Em Portugal, Grécia, Itália e Islândia o número mínimo de horas lectivas ou de ensino, por ano, é menor no ensino secundário do que no 3º ciclo do ensino básico. Em Portugal, os estudantes dos 7º, 8º e 9º anos de escolaridade (3º ciclo do ensino básico) têm cerca de 875 horas de aulas por ano, enquanto os alunos do ensino secundário não ultrapassam as 613 horas, em média anual.
Trata-se de um percurso bem diferente do da Alemanha (790 horas no secundário inferior e 846 no superior), Dinamarca (780 no secundário inferior e 900 no superior), Espanha (866 no secundário inferior e 930 no superior) e Áustria (870 no secundário inferior e 960 no superior), países onde o número de horas dedicadas ao ensino aumenta proporcionalmente ao grau de escolaridade.
Outro parâmetro analisado reporta à importância dada pelos sistemas educativos dos diferentes países, em termos de carga horária, às disciplinas obrigatórias. E se aos 13 anos todos os alunos têm praticamente as mesmas matérias obrigatórias, a verdade é que o tempo consagrado às mesmas varia de país para país, embora a língua materna, a matemática e uma língua estrangeira ocupem, na maioria dos países, as posições mais importantes. Em Portugal, o ensino da língua portuguesa e o da matemática representam, cada um, 13% da carga horária e as línguas estrangeiras 10%.
No ensino secundário as diferenças entre os países são muito mais significativas, tanto nas matérias dadas como nas cargas horárias.

Em Cabo Verde, tem havido um esforço louvável no sentido de aos alunos ser assegurada uma carga horária que lhes permita alcançar os objectivos de aprendizagem preconizados para os respectivos níveis de ensino. Actualmente, os alunos do ensino básico possuem 207 dias lectivos e os do ensino secundário 198 dias (Se se multiplicar o número de dias lectivos por 4,5 horas, que é, normalmente, a duração média das aulas em Cabo Verde, tem-se, respectivamente, uma previsão de 931e 891 horas, respectivamente, números esses que são, todavia, algo “lisonjeiros” ou “optimistas”, posto que, na prática, o absentismo de professores e alunos, aliado ao desperdício do tempo escolar, por causas diversas, leva a que a situação efectiva seja menos boa. Recomendamos, entretanto, uma pesquisa a partir do calendário escolar e dos planos curriculares vigentes em Cabo Verde, por um lado, e das praxes educativas nas nossas escolas, por outro lado, de modo a melhor conhecer a realidade do ensino cabo-verdiano neste aspecto de crucial importância

3.4. Autonomia e poder de decisão das escolas europeias e cabo-verdianas
A nível da organização do sistema escolar, e apenas para as escolas públicas, tomemos para análise quatro variáveis: a delimitação do calendário escolar, a gestão do corpo docente, a utilização dos recursos financeiros e os aspectos pedagógicos do ensino. Como é natural, todas estas questões estão relacionadas com o grau de autonomia dos estabelecimentos de ensino, que varia de país para país e, por vezes, dentro do próprio país, em função do tipo de estabelecimento e do grau de ensino
Assim, em Portugal, tanto no ensino básico como no secundário, o grau de autonomia das escolas é muito limitado, salvo no que respeita à repartição dos matérias ministradas ao longo do ano lectivo, à aplicação dos parcos recursos financeiros disponibilizados para o funcionamento do estabelecimento de ensino (com excepção das escolas do 1º ciclo) e à designação do presidente do conselho executivo. Já no que respeita à escolha dos manuais escolares as escolas têm total autonomia para o fazer e, quanto aos métodos de ensino, é caso para se dizer que cada professor é rei.
Na União Europeia, é na Suécia e no Reino Unido que as escolas têm maior grau de autonomia, apesar de muitas decisões também serem tomadas de acordo com as orientações dos responsáveis governamentais pela área da educação. Mas autonomia implica responsabilidade e as escolas, todos os anos, são avaliadas. A gestão do calendário escolar, por exemplo, é decidida em todos os países pelo Ministério da Educação, embora na Suécia essa decisão seja tomada em sede de concertação e os estabelecimentos de ensino tenham autonomia para, de forma participada, decidir o número de horas de ensino a serem ministradas durante o ano lectivo.
Quanto à contratação e gestão do pessoal docente, o modelo dominante nos países da UE denota a ausência de autonomia ou uma débil autonomia para decidir estas matérias. Excepções, neste capítulo são a Inglaterra, a Holanda e a Comunidade Flamenga da Bélgica, países onde os estabelecimentos de ensino têm autonomia plena para recrutar a generalidade do pessoal docente e não docente de que precisam para o serviço educativo.
No que respeita à escolha dos manuais escolares e métodos de ensino, a autonomia é quase geral, com a excepção da Alemanha, Espanha, Luxemburgo, Islândia e Liechtenstein, onde a autonomia é limitada

Cabo Verde está em processo de construção da autonomia das escolas, tendo dado passos significativos no sentido de as escolas, à medida em que forem consolidando os avanços na sua gestão e nas práticas educativas, ganharem mais autonomia e poder de decisão. Assim, as escolas secundárias viram reforçados em 2002 os seus poderes de decisão em várias matérias, passando a ter maior autonomia administrativa e financeira; mais poderes de gestão dos recursos humanos que lhes são afectos (distribuição do serviço educativo, controlo e acção disciplinar, avaliação); capacidade de gerir a carga horária lectiva, o calendário escolar e os programas oficialmente definidos; maior autonomia disciplinar na resolução das questões de natureza comportamental em que estejam envolvidos alunos, professores e demais funcionários da escola, com o poder de instaurar e instruir processos disciplinares e bem assim de aplicar algumas sanções; poder regulamentar, ou seja, a capacidade de se dotarem de regulamentos internos, etc. Porém, não têm liberdade de recrutar o seu pessoal, salvo algum pessoal auxiliar (ainda assim com prévia autorização superior) e, no que se refere ao pessoal docente, só são envolvidas na realização dos testes de selecção e na determinação das vagas a serem preenchidas; não determinam, livremente, a escolha dos manuais escolares.

3.5. Ensino de línguas estrangeiras e maternas

O ensino de uma língua estrangeira desde o ensino primário é já uma rotina em todos os países da União Europeia e, inclusive em Portugal. A diferença entre Portugal e os seus congéneres europeus é que, nestes, a aprendizagem de uma segunda língua (em média, duas em cada três crianças aprendem inglês) é gratuita enquanto que em Portugal são os pais que pagam a actividade, pelo menos no 1º ciclo (84 por cento das crianças do 1º ao 4º ano aprende inglês, segundo um relatório!). De qualquer forma, no ensino primário a segunda língua só é obrigatória no Luxemburgo e na Noruega.
Quanto ao ensino secundário inferior (que, normalmente, coincide com os três primeiros anos do ensino secundário em Cabo Verde), todos os jovens europeus, independentemente do País, estudam pelo menos uma língua estrangeira: em média 91 por cento dos alunos estudam o inglês, 34 por cento o francês, 15 por cento o alemão e 10 por cento o espanhol. Note-se que a preponderância do inglês como língua estrangeira é uma realidade em todos os países que têm outra língua pátria, excepto na Islândia. O francês é a segunda língua estrangeira mais estudada dentro da União Europeia, seguida do alemão que, em Luxemburgo, é uma das línguas oficiais obrigatórias. Já no ensino secundário superior e no conjunto dos países da União Europeia, a percentagem de estudantes que estuda pelo menos uma língua estrangeira é idêntica, independentemente de frequentarem a via científica ou profissional.

Em Cabo Verde, não se estuda qualquer língua estrangeira no ensino básico (público), enquanto, no primeiro ciclo do ensino secundário, a oferta de uma das duas línguas estrangeiras (Francês e Inglês) é condicionada, devendo o aluno “optar” por uma das duas (opção fictícia, pois, na falta de capacidade de resposta às opções dos alunos, é a escola que decide a língua a estudar), com a obrigação de o aluno vir a estudar ambas as disciplinas nos ciclos subsequentes, com os inconvenientes que se conhecem.

No Brasil, um aspecto que merece realce é o facto de as línguas indígenas serem utilizadas no ensino básico, não se podendo ainda dizer o mesmo em relação a Cabo Verde quanto à utilização da língua materna (o crioulo) como língua de ensino.

Bartolomeu Varela
Manual de Direito Educativo (2005)

Aspectos da organização, autonomia e gestão das escolas básicas e secundárias em Cabo Verde (1)


Neste apontamento, começamos por fazer uma breve análise dos dois principais diplomas que regulam a gestão das escolas do ensino básico e secundário em Cabo Verde, abordados na disciplina de Direito Educativo, para, de seguida, abordarmos, sucintamente, o processo de construção da autonomia das escolas e os principais instrumentos utilizados na gestão da escola.

1. Regime de direcção, administração e gestão dos pólos do ensino básico[2]

O Decreto-Lei nº 77/94, de 27 de Dezembro, regula a direcção, administração e gestão das escolas públicas do ensino básico, definindo os seus órgãos de direcção (Conselho do Pólo), de administração (Direcção/Gestor) e de gestão pedagógica (Gestor/Núcleo Pedagógico), com indicação do seu modo de constituição, funcionamento e atribuições.

a) Conselho do Pólo Educativo - É um órgão colegial deliberativo, responsável pela coordenação dos diversos sectores da comunidade, responsável pela orientação das actividades com vista ao desempenho global e equilibrado da educação na respectiva zona educativa. Dirigido pelo Gestor e integrando três representantes do corpo docente, um do pessoal não docente e três representantes dos pais e encarregados de educação, o Conselho do Pólo é, assim, um órgão representativo da comunidade e, como tal uma importante instância de controlo social do desempenho da escola.

Cabe ao Conselho do Pólo, enquanto órgão directivo e, como tal, com funções de natureza estratégica, tomar as decisões mais importantes da vida do pólo, definindo os princípios que orientam as relações da escola com a comunidade, as instituições e organismos de responsabilidade em matéria educativa e com outras escolas nacionais e estrangeiras; definir os critérios de participação do Pólo em actividades culturais, desportivas e recreativas, bem como em acções de outra natureza a que posa prestar colaboração. Embora a lei não o diga expressamente, estas atribuições permitem ao Conselho do Pólo aprovar projectos educativos de médio prazo, orientando assim o desenvolvimento da escola de modo a corresponder às demandas sociais e às orientações de política educativa superiormente definidas.

Cabe-lhe ainda, no exercício das suas funções de direcção e administração, aprovar o plano anual de actividades e o orçamento anual do pólo, que são instrumentos de gestão previsional de curto prazo, propostos pelo gestor. Actua ainda como instância de resolução de conflitos da escola, para o que se acha vocacionado em virtude da sua relativamente ampla representatividade.

Por outro lado, o Conselho do Pólo tem funções de natureza consultiva, cabendo-lhe, nesta qualidade, pronunciar-se (emitindo pareceres) sobre os casos de indisciplina que surjam e estejam dentro das atribuições da escola e bem assim sobre outros problemas que lhe forem submetidos pelo gestor.

b) Direcção do Pólo – É assegurada por um órgão singular, denominado Gestor, que é coadjuvado por um ou mais adjuntos, cabendo-lhe planear, organizar, dirigir, executar e controlar toda a política educativa da escola. Cabe-lhe, assim, assegurar a execução das normas e orientações superiores, gerir os meios humanos, materiais e financeiros de modo a assegurar o funcionamento adequado da escola, cuidar da conservação do edifico e dos equipamentos, coordenar e controlar o funcionamento da cantina escolar, efectuar visitas de supervisão das aulas e apoiar pedagogicamente os professores, promover a cooperação escola/comunidade, avaliar o desempenho dos professores e do pessoal administrativo, gerir as questões disciplinares da escola.

Compete, outrossim, ao gestor assegurar a elaboração dos planos de actividades e orçamentos anuais, assegurar a sua execução e prestar contas do desempenho da escola, nomeadamente através informações ou relatórios de actividades, que deve elaborar periodicamente para conhecimento da Delegação concelhia e do Ministério.

Entre outras atribuições, cabe ao gestor presidir às reuniões do Conselho do Pólo e do Núcleo Pedagógico, assegurando as condições para o sucesso do ensino aprendizagem, o que faz dele a figura central da gestão da Escola.


Resumindo, pode dizer-se que o gestor exerce basicamente três funções: de Administrador (pois administra recursos humanos, materiais e financeiros), de Conselheiro Pedagógico (posto que lhe cabe dinamizar a acção pedagógica no pólo, presidindo ao Núcleo Pedagógico e interagindo com os coordenadores pedagógicos), e de Animador Social (visto que lhe cabe promover e dinamizar o estreitamento da ligação da escola com a família e a comunidade, como pressuposto básico para o desenvolvimento e o sucesso de toda a acção pedagógica).

c) Núcleo Pedagógico – Presidido, como vimos, pelo Gestor e constituído por professores, conta ainda com a presença de um coordenador pedagógico, quando possível. Trata-se de um importante órgão de gestão pedagógica da Escola, pois que lhe cabe: promover a qualidade do ensino-aprendizagem, através do debate entre os professores de assuntos de natureza pedagógica, da confecção do material didáctico, da coordenação das reuniões de planificação pedagógica por ano de escolaridade, da divulgação e intercâmbio de informações e bem assim através da sua participação nas iniciativas desenvolvidas pelos coordenadores pedagógicos concelhios.

Ao Núcleo Pedagógico cabe ainda participar no processo de avaliação dos alunos, elaborando as propostas de provas de avaliação, e bem assim dos docentes, emitindo parecer sobre o seu desempenho anual, sendo esta última competência atribuída a este órgão pelo Decreto-regulamentar nº 10/2000, de 4 de Setembro.

A aprovação do Decreto-Lei nº 77/94, de 27 de Dezembro, que define o regime de direcção, administração e gestão dos pólos educativos do ensino básico, veio, assim, mudar a forma da organização das escolas, conferindo aos mesmos condições para a conquista de amplos espaços de autonomia na organização e prestação do serviço educativo, num quadro que propicia ampla participação da comunidade educativa na vida da escola, rompendo assim com a tradição de uma gestão centrada na figura de uma só pessoa (o então director da escola), confinada, outrora, ao exercício de funções de índole essencialmente burocrática.

2. Novo figurino dos órgãos de gestão do ensino secundário

Com a aprovação do Decreto-Lei nº 20/2002, de 19 de Agosto, a gestão dos estabelecimentos públicos do ensino secundário tornou-se mais democrática e representativa, com a abertura de quase todos os órgãos de gestão à participação dos representantes dos professores, alunos e pais e encarregados de educação.

Por outro lado, o diploma consagra maior autonomia das escolas secundárias, conferindo um vasto leque de competências aos diversos órgãos, nos planos administrativo, pedagógico, disciplinar e financeiro, e favorece-lhe a criação da sua própria identidade, com a elaboração do regulamento interno, do projecto educativo e de outros instrumentos de gestão, aspectos que retomaremos mais adiante.

A gestão pedagógica e administrativa das escolas secundárias é assegurada pelos seguintes órgãos: Assembleia de Escola, Conselho Directivo, Conselho Pedagógico e Conselho Disciplinar.

a) A Assembleia da Escola é um órgão plural e de carácter deliberativo, composto por representantes de todos os sectores da escola designadamente: representantes dos alunos, do pessoal não docente, do pessoal docente, dos pais, da autarquia local, um elemento da sociedade civil e os membros da Direcção, do Conselho Pedagógico e Conselho de Disciplina. A periodicidade das reuniões ordinárias é de três meses e as extraordinárias sempre que a natureza dos assuntos as justificarem.

É neste órgão que, fundamentalmente, se determina a política educativa da escola e se promove a sua autonomia, posto que lhe estão consignadas funções relevantes que abarcam todos os sectores da vida da escola. Com efeito, o citado diploma atribui à Assembleia da Escola o poder de determinação das orientações fundamentais da vida da escola, nomeadamente o de aprovar importantes instrumentos de regulação, planeamento e controlo, a saber:
- Instrumentos de regulação interna (regulamentos internos);
- Instrumentos de gestão previsional, como o projecto educativo (plano estratégico), o orçamento privativo, o orçamento e os planos de actividades (planos operativos);
- Instrumentos de prestação de contas, como os relatórios das actividades e as contas de gerência.

Através deste órgão, corporiza-se, igualmente, a função de controlo social do desempenho da escola, através da participação de representantes da comunidade escolar (alunos, professores, pessoal não docente) e de diversos segmentos da sociedade (pais e encarregados de educação, representante da autarquia local e da sociedade civil, etc.).

b) O Conselho Directivo é o órgão de administração por excelência da escola. Difere em muitos aspectos do órgão anteriormente existente, criado pela portaria nº 50/87, de 31 de Agosto, a que nos referimos anteriormente. Assim, além do Director, dos Subdirectores e do Secretário, o actual Conselho Directivo conta com um Vogal eleito pelos pais e encarregados de educação e integra, ainda, um Subdirector dos assuntos sociais e comunitários.

É de salientar que é este órgão que executa as políticas educativas da escola, que decide e implementa as prioridades, pois traça as metas e as formas de a concretizar com eficiência e eficácia. Elabora também todos os instrumentos de gestão previsional e de controlo de gestão, submetendo-os à aprovação da Assembleia da Escola. Em suma, assegura a administração do estabelecimento de ensino nos diversos aspectos que se prendem com o cumprimento da sua missão.

c) O Conselho de Disciplina - Neste novo modelo de gestão introduzido pelo diploma em apreço, reforça-se a autonomia disciplinar da Escola, passando o Conselho e Disciplina a ocupar-se não apenas das questões disciplinares dos alunos, como anteriormente, mas também das relativas aos professores e demais funcionários, possuindo, além de funções de natureza preventiva ou pedagógica, o poder de instrução dos processos disciplinares, salvo os de maior gravidade, envolvendo professores, os relativos aos membros dos órgãos de direcção, que ficam a cargo da Inspecção-geral, de acordo com a lei.

d) O Conselho Pedagógico, para além das atribuições que anteriormente possuía (planificação, controlo, acompanhamento e avaliação do processo ensino-aprendizagem), passa a ocupar-se de questões como a orientação vocacional e profissional dos alunos, dando maior ênfase às actividades de inovação pedagógica e de procura activa de soluções tendo em vista a promoção do sucesso escolar dos alunos, nomeadamente através de acções de apoio, acompanhamento e capacitação dos docentes, mormente dos menos qualificados, e das actividades de recuperação de alunos com dificuldades de aprendizagem.

A análise das inúmeras competências deste órgão traduz a preocupação no sentido de favorecer a construção efectiva da autonomia pedagógica das escolas, a qual depende, largamente, da capacidade de iniciativa, da criatividade e do dinamismo dos membros do Conselho, designadamente do Subdirector Pedagógico e dos Coordenadores da Disciplina, aos quais incumbe liderar o desenvolvimento do trabalho pedagógico da escola, de uma geral e, em especial, nas diferentes áreas disciplinares e nos diversos níveis.

d) Comissões de Trabalho - Para fortalecer e cobrir todas as diferentes áreas da vida da escola, o diploma em análise prevê a existência obrigatória de duas comissões permanentes (Higiene e Segurança e Manutenção da Escola; Informação, Cultura e Desporto) e deixa em aberto a possibilidade de as escolas, de acordo com o regulamento interno e a realidade local, criarem outras comissões, permanentes ou eventuais para se ocupar de outros assuntos específicos de cada estabelecimento do ensino, com o envolvimento de alunos, professores, funcionários da escola e pais e encarregados de educação.

e) Conselhos e Direcções de Turma – Outras instâncias importantes na vida das escolas secundárias são os Conselhos e Direcções das turmas, que são as unidades ou células de base das escolas. Essa gestão processa-se de forma participada, através do Conselho de Turma, que é presidido por um director de turma (proposto pelo Conselho Pedagógico e nomeado pelo Conselho Directivo) e integrado por um delegado de turma, um representante dos estudantes designado pela associação dos estudantes (ou por uma assembleia representativa dos mesmos) e um representante dos encarregados da educação designado pela respectiva associação (ou por uma assembleia representativa).

Com o novo diploma, a turma passa a ser um espaço de reflexão sobre o processo ensino-aprendizagem privilegiando debates e análises dos problemas de que a turma padece no sentido de procurar soluções para os mesmos. Nessa perspectiva, ao Conselho de Turma e aos Directores de Turma são conferidas importantes atribuições.

O Director de Turma é, simultaneamente, professor e gestor das aprendizagens dos alunos. A lei define, genericamente, o seu perfil, dispondo que: deve ter boa capacidade de relacionamento, possuir bom senso e ponderação, sentido de tolerância, espírito metódico e dinamizador. Deste modo, acentua-se a necessidade de haver lideranças esclarecidas susceptíveis de fazer das turmas unidades de excelência na construção de uma escola de sucesso.

O diploma em apreço encoraja a associação tanto dos alunos como dos professores e pais/encarregados de educação, cujas organizações representativas elegem os elementos que devem integrar os diversos órgãos da Escola, desde a Assembleia da Escola, passando pelos Conselhos Directivo e de Disciplina, até se chegar aos Conselhos de Turma, propiciando desta forma, o desenvolvimento de mecanismos de controlo social da educação. Efectivamente, estão criados os mecanismos essenciais de participação activa e organizada da comunidade educativa na elaboração dos diferentes instrumentos de gestão e na adopção das medidas conducentes ao cumprimento das funções e dos objectivos da escola. A sua implementação cabal depende, em muito, da assunção por cada um dos agentes educativos das suas responsabilidades na construção da nova escola.

3. A autonomia das escolas cabo-verdianas: conceito e pressupostos da sua construção

É corrente definir-se a autonomia como sendo o direito de se governar ou gerir por normas próprias ou como a possibilidade que uma entidade tem de estabelecer, por si mesmas, as regras que modulam a sua actuação. Na verdade, a vertente normativa, a par do contexto político prevalecente, pode desempenhar um papel importante na construção da autonomia da escola, favorecendo ou dificultando a iniciativa dos gestores e demais agentes da comunidade escolar.

Porém, o conceito de autonomia vai muito além dimensão legal ou normativa ou mesmo do contexto político. Outras vertentes relevam nesse processo, nomeadamente: a qualidade da liderança, o ambiente e a cultura de gestão prevalecentes na escola; o grau de formação, de motivação e de realização individual e colectiva dos agentes da comunidade escolar; a disponibilidade de meios e recursos; a qualidade da relação existente com outras instâncias da Administração Educativa, etc.

Por outro lado, a autonomia da escola deve ser encarada de uma forma dinâmica, como algo a ser construído, como um processo e não de forma estática ou acabada. Essa autonomia tem uma dimensão relacional, pois que a acção dos membros da organização escolar é exercida num contexto de interdependência e num sistema de relações em que intervêm diversos actores. Daí que a capacidade de construir alianças e parceiros joga um papel decisivo na criação de condições para o desenvolvimento das iniciativas. Por outro lado, a autonomia apresenta um certo grau de relatividade e, neste aspecto, a escola pode ser autónoma em relação a certas coisas e não o ser em relação a outras.

A análise comparada de experiências de autonomia das escolas demonstra que, por vezes, a Administração Educativa, aparentemente zelosa na promoção da liberdade de iniciativa das escola, acaba por "decretar" a autonomia, sugerindo e recomendando modelos ou fórmulas de regulamentos internos e projectos educativos que, aplicados acriticamente, levam a que todas as escolas se apresentem com iguais instrumentos de regulação e planeamento, como uma espécie de “produtos fabricados em série”.

Mas a autonomia das escolas não se decreta nem se impõe. As normas jurídicas podem favorecer a construção da autonomia, mas esta, em si, não se decreta, antes se construindo com iniciativa, criatividade e espírito empreendedor.

A autonomia da escola diz, portanto, respeito ao sistema educativo em geral, na medida em que concerne, antes de mais, à escola, como parte do sistema e, como tal, interessada no sucesso deste, através do desenvolvimento das potencialidades dos membros de toda a comunidade escolar.

Efectivamente, é à escola que cabe construir a sua autonomia, com respeito pelas competências que a lei lhe confere. A autonomia da escola pressupõe a concepção pela escola de uma identidade ou de uma imagem de marca própria, resultante da capacidade de definir ou redefinir a sua missão e objectivos (com respeito pelos do sistema educativo), projectar, organizar e controlar de forma sistemática o desenvolvimento das suas actividades em função do contexto em que se insere e com o envolvimento dos diversos parceiros, de modo a que, pela qualidade e especificidade do serviço educativo prestado, a escola possa diferenciar-se positivamente das outras, respondendo às demandas sociais, sem ignorar as normas e orientações gerais do sistema.

Essa identidade é construída no interior das organizações educativas, através da capacidade dos seus órgãos de escolher e implementar o modelo de gestão que mais sirva aos interesses da comunidade educativa. Para atingir este estádio de desenvolvimento, as instituições educativas devem assumir protagonismo no que concerne à elaboração da política educativa a ser seguida, à sua execução e avaliação.

Assim, um instrumento fundamental da política educativa da escola e, por conseguinte, da construção da sua autonomia, é o seu Projecto Educativo, de que já falamos amplamente.

À luz do quadro legal vigente em Cabo Verde, podemos facilmente constatar que, em Cabo Verde, tanto as escolas básicas como as escolas secundárias regem-se por normas que favorecem e estimulam, em larga medida, a sua autonomia – administrativa, pedagógica, financeira, disciplinar -, ainda que as primeiras careçam de normas específicas de enquadramento das diversas iniciativas que podem e têm vindo a levar a cabo.

Assim, constata-se que, a nível das nossas escolas, existe uma praxe de liberdade e de iniciativa, bem como de assunção gradativa do poder de decisão em diversos aspectos da sua organização e funcionamento, nomeadamente: o planeamento das actividades; a mobilização e utilização de recursos; a introdução de inovações nos métodos e técnicas de trabalho pedagógico; o controlo da disciplina dos agentes educativos; a avaliação dos alunos, professores e demais funcionários; a manutenção, a conservação e o melhoramento das instalações e equipamentos; a ligação com as famílias e a comunidade e o desenvolvimento de parcerias diversas; a realização de actividades extra-escolares; a formação e a capacitação em exercício do pessoal docente; a recuperação de alunos com dificuldades de aprendizagem; a orientação vocacional e profissional dos alunos; a promoção de valores cívicos, culturais e éticos; a promoção da segurança na escola, etc., etc.

O desenvolvimento ulterior do processo de autonomia das escolas depende, em grande medida, do desenvolvimento da capacidade institucional das escolas, mediante a motivação, a formação e capacitação dos membros dos diferentes órgãos e serviços, mas, sobretudo, do fomento da iniciativa criadora das instituições educativas a diversos níveis, devendo os organismos de nível intermédio e superior (designadamente Delegações e serviços centrais do Ministério e Escolas) desempenhar o papel de facilitadores e encorajadores das iniciativas de base, ou seja, das escolas, banindo atitudes e práticas centralizadoras e castradoras da liberdade de criação, inovação, modernização e desenvolvimento das praxes educativas e de gestão escolar.

Porém, é evidente que a capacidade de iniciativa é algo que deve ser objecto de aprimoramento. Nessa perspectiva, a elaboração, a execução e a avaliação, de forma amplamente participada, dos instrumentos de gestão, em especial dos projectos educativos de escola e do concelho, constituem vias efectivas de afirmação da autonomia das instituições educativas, em prol da prestação de um serviço educativo de qualidade cada vez maior.

Efectivamente, as normas jurídicas deixam campo vasto para as instituições educativas agirem de forma criativa e dinâmica, inovando nos seus processos de gestão e de desempenho e procurando formas adequadas de acrescentar valor aos serviços que prestam à comunidade, com o envolvimento desta, dos parceiros e, em particular, dos agentes educativos.

É caso para se dizer que, contrariamente ao que se passa noutras paragens, em que as escolas reivindicam autonomia, em Cabo Verde, sem que se chegue ao ponto de “decretar” (no sentido de impor) autonomia, existe um quadro legal que estimula os estabelecimento de educação e ensino na construção efectiva da sua autonomia, importando que os mesmos tirem partido das inúmeras janelas de oportunidades que se lhes oferecem para projectar e realizar, em bases cada vez mais inovadoras, a educação de que se precisa para o novo milénio.

4. A autonomia e os instrumentos de gestão das escolas

No processo de construção e conquista da sua autonomia, as escolas básicas e secundárias, assim como quaisquer outras instituições educativas em Cabo Verde, devem organizar o cumprimento da sua missão através de instrumentos de gestão previsional, ou de planeamento, cuja execução deve ser objecto de avaliação, conduzindo, assim, à elaboração dos correlativos instrumentos de prestação de contas.

4.1. Instrumentos de gestão previsional

De entre os instrumentos de gestão previsional destacam-se:
a) Os planos de médio ou longo prazo - A nível das escolas secundárias, estes planos denominam de Projectos Educativos (objecto de tratamento noutro capítulo), o quais podem e devem ser igualmente elaborados a nível dos concelhos e das escolas básicas, não por “imposição” legal explícita, mas por decorrência implícita desse mesmo quadro legal, que confere às Delegações concelhias e ao Conselho do Pólo competência genérica definir “estratégias” de acção educativa (ver “Regime Jurídico do Planeamento Educativo em Cabo Verde), bem assim de orientações e práticas recomendadas e, de algum modo, desenvolvidas com o impulso do Ministério da Educação. Como referimos noutro local, o Projecto Educativo (de médio ou longo prazo) tem carácter abrangente ou sistémico, devendo seguir um quadro lógico que inclua o diagnóstico da situação, a definição da missão e dos valores da escola, a definição dos objectivos estratégicos, das acções e projectos conducentes à realização desses objectivos, do respectivo cronograma geral, assim como dos resultados esperados, meios e recursos a serem mobilizados, mecanismos de acompanhamento e avaliação.

b) Os planos operativos ou de curto prazo – De periodicidade anual ou plurianual, estes planos não só estão previstos nas normas específicas por que se regem as diferentes instituições educativas públicas como na lei geral, que consagra a obrigatoriedade de elaboração de planos de actividades, nos quais se devem estar contidos, entre outros: os objectivos estratégicos em que se baseiam; os objectivos específicos que prosseguem; as metas ou resultados concretos preconizados; as actividades a realizar e o respectivo cronograma; os responsáveis pela execução; os recursos necessários; as formas de verificação do cumprimento.

c) O orçamento – O orçamento é o plano financeiro e, normalmente, tem duração anual, embora se fale de orçamentos-programas, que têm maior longevidade e obedecem a uma filosofia de gestão própria. O orçamento consiste na previsão realista das receitas a serem arrecadadas e das despesas a efectuar, tendo em conta as tendências dos anos anteriores, o contexto em que se actua, a natureza e a magnitude das tarefas planificadas e as possibilidades de mobilização dos recursos, além, obviamente, das disposições legais aplicáveis. A nível da Escola Secundária, que possui um orçamento privativo, existe um modelo próprio de orçamento, acontecendo algo similar nas delegações, cujo orçamento se integra no do Ministério. Já nas escolas básicas, não existe um formulário de orçamento, que, no entanto, pode inspirar-se no das escolas secundárias, discriminando, na coluna das receitas, as actividades de geração de fundos (rubricas de receitas) e os respectivos montantes, enquanto que na coluna das despesas, se discriminam os previsíveis encargos, descrevendo os montantes, igualmente, por rubrica.

4.2. Instrumentos de prestação de contas

A autonomia processa-se num quadro de assunção da responsabilidade das instituições e dos agentes educativos, que devem cumprir as normas reguladoras da sua autonomia, designadamente através de instrumentos de prestação de contas, de que se destacam os seguintes:

a) O relatório anual de actividades – Trata-se de um documento no qual se espelha a execução do plano de actividades, apresentando-se, de forma circunstanciada, as acções levadas a cabo, analisando-se os resultados alcançados, assim como eventuais constrangimentos ou insucessos. Não sendo um mero reportório de realizações, o relatório é um instrumento de autoavaliação, logo de análise do percurso feito, devendo apresentar sugestões de melhoria para o ano subsequente.

b) Os balancetes mensais (e trimestrais, no caso das escolas secundárias) – Destinam-se a acompanhar e a reflectir a execução orçamental de cada mês, com a contabilização, por capítulo e rubrica, das receitas obtidas e das despesas efectuadas, indicando-se o saldo que transita para o mesmo seguinte. A lei só regula esta matéria em relação às escolas secundárias, mas constitui boa prática de gestão a sua elaboração pelas instituições educativas em geral, concluindo as escolas básicas e as delegações, podendo os modelos adoptados para as escolas secundárias servir de inspiração. Os balancetes trimestrais das escolas secundárias devem ser remetidas ao Ministério da Educação, para apreciação e seguimento.

c) A conta de gerência – Elaborada no fim do ano, com base na execução orçamental, constitui a síntese dos balancetes mensais e uma forma de prestar contas na gestão dos recursos financeiros. Trata-se de um balanço financeiro que deve espelhar como o orçamento foi executado, detalhando, por capítulos e rubricas, as receitas angariadas e as despesas efectuadas, com o apuramento do saldo para o ano seguinte. Só a escola secundária pública está obrigada a apresentar a conta de gerência que é submetida ao Ministério da Educação, para apreciação, e ao Tribunal de Contas, para julgamento. A conta de gerência permite espelhar em que medida os recursos financeiros são utilizados de modo a promover a iniciativa e a autonomia das escolas, servindo como referencial importante para a adopção de medidas correctivas.

Tanto os instrumentos de gestão previsional como os de prestação de contas devem ser aprovados pelos órgãos de direcção colegial das escolas e representativos da comunidade educativa (Conselho do Pólo e Assembleia da Escola), sendo elaborados pelos correspondentes órgãos executivos ou administrativos (Gestor do Pólo e Conselho Directivo).


Bartolomeu Varela
[1] Adaptado do Manual de Administração Escolar (2006), do autor.
[2] Cf. Decreto-Lei nº 77/94, de 27 de Dezembro

Aspectos da organização, autonomia e gestão das escolas básicas e secundárias em Cabo Verde (1)


Neste apontamento, começamos por fazer uma breve análise dos dois principais diplomas que regulam a gestão das escolas do ensino básico e secundário em Cabo Verde, abordados na disciplina de Direito Educativo, para, de seguida, abordarmos, sucintamente, o processo de construção da autonomia das escolas e os principais instrumentos utilizados na gestão da escola.

1. Regime de direcção, administração e gestão dos pólos do ensino básico[2]

O Decreto-Lei nº 77/94, de 27 de Dezembro, regula a direcção, administração e gestão das escolas públicas do ensino básico, definindo os seus órgãos de direcção (Conselho do Pólo), de administração (Direcção/Gestor) e de gestão pedagógica (Gestor/Núcleo Pedagógico), com indicação do seu modo de constituição, funcionamento e atribuições.

a) Conselho do Pólo Educativo - É um órgão colegial deliberativo, responsável pela coordenação dos diversos sectores da comunidade, responsável pela orientação das actividades com vista ao desempenho global e equilibrado da educação na respectiva zona educativa. Dirigido pelo Gestor e integrando três representantes do corpo docente, um do pessoal não docente e três representantes dos pais e encarregados de educação, o Conselho do Pólo é, assim, um órgão representativo da comunidade e, como tal uma importante instância de controlo social do desempenho da escola.

Cabe ao Conselho do Pólo, enquanto órgão directivo e, como tal, com funções de natureza estratégica, tomar as decisões mais importantes da vida do pólo, definindo os princípios que orientam as relações da escola com a comunidade, as instituições e organismos de responsabilidade em matéria educativa e com outras escolas nacionais e estrangeiras; definir os critérios de participação do Pólo em actividades culturais, desportivas e recreativas, bem como em acções de outra natureza a que posa prestar colaboração. Embora a lei não o diga expressamente, estas atribuições permitem ao Conselho do Pólo aprovar projectos educativos de médio prazo, orientando assim o desenvolvimento da escola de modo a corresponder às demandas sociais e às orientações de política educativa superiormente definidas.

Cabe-lhe ainda, no exercício das suas funções de direcção e administração, aprovar o plano anual de actividades e o orçamento anual do pólo, que são instrumentos de gestão previsional de curto prazo, propostos pelo gestor. Actua ainda como instância de resolução de conflitos da escola, para o que se acha vocacionado em virtude da sua relativamente ampla representatividade.

Por outro lado, o Conselho do Pólo tem funções de natureza consultiva, cabendo-lhe, nesta qualidade, pronunciar-se (emitindo pareceres) sobre os casos de indisciplina que surjam e estejam dentro das atribuições da escola e bem assim sobre outros problemas que lhe forem submetidos pelo gestor.

b) Direcção do Pólo – É assegurada por um órgão singular, denominado Gestor, que é coadjuvado por um ou mais adjuntos, cabendo-lhe planear, organizar, dirigir, executar e controlar toda a política educativa da escola. Cabe-lhe, assim, assegurar a execução das normas e orientações superiores, gerir os meios humanos, materiais e financeiros de modo a assegurar o funcionamento adequado da escola, cuidar da conservação do edifico e dos equipamentos, coordenar e controlar o funcionamento da cantina escolar, efectuar visitas de supervisão das aulas e apoiar pedagogicamente os professores, promover a cooperação escola/comunidade, avaliar o desempenho dos professores e do pessoal administrativo, gerir as questões disciplinares da escola.

Compete, outrossim, ao gestor assegurar a elaboração dos planos de actividades e orçamentos anuais, assegurar a sua execução e prestar contas do desempenho da escola, nomeadamente através informações ou relatórios de actividades, que deve elaborar periodicamente para conhecimento da Delegação concelhia e do Ministério.

Entre outras atribuições, cabe ao gestor presidir às reuniões do Conselho do Pólo e do Núcleo Pedagógico, assegurando as condições para o sucesso do ensino aprendizagem, o que faz dele a figura central da gestão da Escola.


Resumindo, pode dizer-se que o gestor exerce basicamente três funções: de Administrador (pois administra recursos humanos, materiais e financeiros), de Conselheiro Pedagógico (posto que lhe cabe dinamizar a acção pedagógica no pólo, presidindo ao Núcleo Pedagógico e interagindo com os coordenadores pedagógicos), e de Animador Social (visto que lhe cabe promover e dinamizar o estreitamento da ligação da escola com a família e a comunidade, como pressuposto básico para o desenvolvimento e o sucesso de toda a acção pedagógica).

c) Núcleo Pedagógico – Presidido, como vimos, pelo Gestor e constituído por professores, conta ainda com a presença de um coordenador pedagógico, quando possível. Trata-se de um importante órgão de gestão pedagógica da Escola, pois que lhe cabe: promover a qualidade do ensino-aprendizagem, através do debate entre os professores de assuntos de natureza pedagógica, da confecção do material didáctico, da coordenação das reuniões de planificação pedagógica por ano de escolaridade, da divulgação e intercâmbio de informações e bem assim através da sua participação nas iniciativas desenvolvidas pelos coordenadores pedagógicos concelhios.

Ao Núcleo Pedagógico cabe ainda participar no processo de avaliação dos alunos, elaborando as propostas de provas de avaliação, e bem assim dos docentes, emitindo parecer sobre o seu desempenho anual, sendo esta última competência atribuída a este órgão pelo Decreto-regulamentar nº 10/2000, de 4 de Setembro.

A aprovação do Decreto-Lei nº 77/94, de 27 de Dezembro, que define o regime de direcção, administração e gestão dos pólos educativos do ensino básico, veio, assim, mudar a forma da organização das escolas, conferindo aos mesmos condições para a conquista de amplos espaços de autonomia na organização e prestação do serviço educativo, num quadro que propicia ampla participação da comunidade educativa na vida da escola, rompendo assim com a tradição de uma gestão centrada na figura de uma só pessoa (o então director da escola), confinada, outrora, ao exercício de funções de índole essencialmente burocrática.

2. Novo figurino dos órgãos de gestão do ensino secundário

Com a aprovação do Decreto-Lei nº 20/2002, de 19 de Agosto, a gestão dos estabelecimentos públicos do ensino secundário tornou-se mais democrática e representativa, com a abertura de quase todos os órgãos de gestão à participação dos representantes dos professores, alunos e pais e encarregados de educação.

Por outro lado, o diploma consagra maior autonomia das escolas secundárias, conferindo um vasto leque de competências aos diversos órgãos, nos planos administrativo, pedagógico, disciplinar e financeiro, e favorece-lhe a criação da sua própria identidade, com a elaboração do regulamento interno, do projecto educativo e de outros instrumentos de gestão, aspectos que retomaremos mais adiante.

A gestão pedagógica e administrativa das escolas secundárias é assegurada pelos seguintes órgãos: Assembleia de Escola, Conselho Directivo, Conselho Pedagógico e Conselho Disciplinar.

a) A Assembleia da Escola é um órgão plural e de carácter deliberativo, composto por representantes de todos os sectores da escola designadamente: representantes dos alunos, do pessoal não docente, do pessoal docente, dos pais, da autarquia local, um elemento da sociedade civil e os membros da Direcção, do Conselho Pedagógico e Conselho de Disciplina. A periodicidade das reuniões ordinárias é de três meses e as extraordinárias sempre que a natureza dos assuntos as justificarem.

É neste órgão que, fundamentalmente, se determina a política educativa da escola e se promove a sua autonomia, posto que lhe estão consignadas funções relevantes que abarcam todos os sectores da vida da escola. Com efeito, o citado diploma atribui à Assembleia da Escola o poder de determinação das orientações fundamentais da vida da escola, nomeadamente o de aprovar importantes instrumentos de regulação, planeamento e controlo, a saber:
- Instrumentos de regulação interna (regulamentos internos);
- Instrumentos de gestão previsional, como o projecto educativo (plano estratégico), o orçamento privativo, o orçamento e os planos de actividades (planos operativos);
- Instrumentos de prestação de contas, como os relatórios das actividades e as contas de gerência.

Através deste órgão, corporiza-se, igualmente, a função de controlo social do desempenho da escola, através da participação de representantes da comunidade escolar (alunos, professores, pessoal não docente) e de diversos segmentos da sociedade (pais e encarregados de educação, representante da autarquia local e da sociedade civil, etc.).

b) O Conselho Directivo é o órgão de administração por excelência da escola. Difere em muitos aspectos do órgão anteriormente existente, criado pela portaria nº 50/87, de 31 de Agosto, a que nos referimos anteriormente. Assim, além do Director, dos Subdirectores e do Secretário, o actual Conselho Directivo conta com um Vogal eleito pelos pais e encarregados de educação e integra, ainda, um Subdirector dos assuntos sociais e comunitários.

É de salientar que é este órgão que executa as políticas educativas da escola, que decide e implementa as prioridades, pois traça as metas e as formas de a concretizar com eficiência e eficácia. Elabora também todos os instrumentos de gestão previsional e de controlo de gestão, submetendo-os à aprovação da Assembleia da Escola. Em suma, assegura a administração do estabelecimento de ensino nos diversos aspectos que se prendem com o cumprimento da sua missão.

c) O Conselho de Disciplina - Neste novo modelo de gestão introduzido pelo diploma em apreço, reforça-se a autonomia disciplinar da Escola, passando o Conselho e Disciplina a ocupar-se não apenas das questões disciplinares dos alunos, como anteriormente, mas também das relativas aos professores e demais funcionários, possuindo, além de funções de natureza preventiva ou pedagógica, o poder de instrução dos processos disciplinares, salvo os de maior gravidade, envolvendo professores, os relativos aos membros dos órgãos de direcção, que ficam a cargo da Inspecção-geral, de acordo com a lei.

d) O Conselho Pedagógico, para além das atribuições que anteriormente possuía (planificação, controlo, acompanhamento e avaliação do processo ensino-aprendizagem), passa a ocupar-se de questões como a orientação vocacional e profissional dos alunos, dando maior ênfase às actividades de inovação pedagógica e de procura activa de soluções tendo em vista a promoção do sucesso escolar dos alunos, nomeadamente através de acções de apoio, acompanhamento e capacitação dos docentes, mormente dos menos qualificados, e das actividades de recuperação de alunos com dificuldades de aprendizagem.

A análise das inúmeras competências deste órgão traduz a preocupação no sentido de favorecer a construção efectiva da autonomia pedagógica das escolas, a qual depende, largamente, da capacidade de iniciativa, da criatividade e do dinamismo dos membros do Conselho, designadamente do Subdirector Pedagógico e dos Coordenadores da Disciplina, aos quais incumbe liderar o desenvolvimento do trabalho pedagógico da escola, de uma geral e, em especial, nas diferentes áreas disciplinares e nos diversos níveis.

d) Comissões de Trabalho - Para fortalecer e cobrir todas as diferentes áreas da vida da escola, o diploma em análise prevê a existência obrigatória de duas comissões permanentes (Higiene e Segurança e Manutenção da Escola; Informação, Cultura e Desporto) e deixa em aberto a possibilidade de as escolas, de acordo com o regulamento interno e a realidade local, criarem outras comissões, permanentes ou eventuais para se ocupar de outros assuntos específicos de cada estabelecimento do ensino, com o envolvimento de alunos, professores, funcionários da escola e pais e encarregados de educação.

e) Conselhos e Direcções de Turma – Outras instâncias importantes na vida das escolas secundárias são os Conselhos e Direcções das turmas, que são as unidades ou células de base das escolas. Essa gestão processa-se de forma participada, através do Conselho de Turma, que é presidido por um director de turma (proposto pelo Conselho Pedagógico e nomeado pelo Conselho Directivo) e integrado por um delegado de turma, um representante dos estudantes designado pela associação dos estudantes (ou por uma assembleia representativa dos mesmos) e um representante dos encarregados da educação designado pela respectiva associação (ou por uma assembleia representativa).

Com o novo diploma, a turma passa a ser um espaço de reflexão sobre o processo ensino-aprendizagem privilegiando debates e análises dos problemas de que a turma padece no sentido de procurar soluções para os mesmos. Nessa perspectiva, ao Conselho de Turma e aos Directores de Turma são conferidas importantes atribuições.

O Director de Turma é, simultaneamente, professor e gestor das aprendizagens dos alunos. A lei define, genericamente, o seu perfil, dispondo que: deve ter boa capacidade de relacionamento, possuir bom senso e ponderação, sentido de tolerância, espírito metódico e dinamizador. Deste modo, acentua-se a necessidade de haver lideranças esclarecidas susceptíveis de fazer das turmas unidades de excelência na construção de uma escola de sucesso.

O diploma em apreço encoraja a associação tanto dos alunos como dos professores e pais/encarregados de educação, cujas organizações representativas elegem os elementos que devem integrar os diversos órgãos da Escola, desde a Assembleia da Escola, passando pelos Conselhos Directivo e de Disciplina, até se chegar aos Conselhos de Turma, propiciando desta forma, o desenvolvimento de mecanismos de controlo social da educação. Efectivamente, estão criados os mecanismos essenciais de participação activa e organizada da comunidade educativa na elaboração dos diferentes instrumentos de gestão e na adopção das medidas conducentes ao cumprimento das funções e dos objectivos da escola. A sua implementação cabal depende, em muito, da assunção por cada um dos agentes educativos das suas responsabilidades na construção da nova escola.

3. A autonomia das escolas cabo-verdianas: conceito e pressupostos da sua construção

É corrente definir-se a autonomia como sendo o direito de se governar ou gerir por normas próprias ou como a possibilidade que uma entidade tem de estabelecer, por si mesmas, as regras que modulam a sua actuação. Na verdade, a vertente normativa, a par do contexto político prevalecente, pode desempenhar um papel importante na construção da autonomia da escola, favorecendo ou dificultando a iniciativa dos gestores e demais agentes da comunidade escolar.

Porém, o conceito de autonomia vai muito além dimensão legal ou normativa ou mesmo do contexto político. Outras vertentes relevam nesse processo, nomeadamente: a qualidade da liderança, o ambiente e a cultura de gestão prevalecentes na escola; o grau de formação, de motivação e de realização individual e colectiva dos agentes da comunidade escolar; a disponibilidade de meios e recursos; a qualidade da relação existente com outras instâncias da Administração Educativa, etc.

Por outro lado, a autonomia da escola deve ser encarada de uma forma dinâmica, como algo a ser construído, como um processo e não de forma estática ou acabada. Essa autonomia tem uma dimensão relacional, pois que a acção dos membros da organização escolar é exercida num contexto de interdependência e num sistema de relações em que intervêm diversos actores. Daí que a capacidade de construir alianças e parceiros joga um papel decisivo na criação de condições para o desenvolvimento das iniciativas. Por outro lado, a autonomia apresenta um certo grau de relatividade e, neste aspecto, a escola pode ser autónoma em relação a certas coisas e não o ser em relação a outras.

A análise comparada de experiências de autonomia das escolas demonstra que, por vezes, a Administração Educativa, aparentemente zelosa na promoção da liberdade de iniciativa das escola, acaba por "decretar" a autonomia, sugerindo e recomendando modelos ou fórmulas de regulamentos internos e projectos educativos que, aplicados acriticamente, levam a que todas as escolas se apresentem com iguais instrumentos de regulação e planeamento, como uma espécie de “produtos fabricados em série”.

Mas a autonomia das escolas não se decreta nem se impõe. As normas jurídicas podem favorecer a construção da autonomia, mas esta, em si, não se decreta, antes se construindo com iniciativa, criatividade e espírito empreendedor.

A autonomia da escola diz, portanto, respeito ao sistema educativo em geral, na medida em que concerne, antes de mais, à escola, como parte do sistema e, como tal, interessada no sucesso deste, através do desenvolvimento das potencialidades dos membros de toda a comunidade escolar.

Efectivamente, é à escola que cabe construir a sua autonomia, com respeito pelas competências que a lei lhe confere. A autonomia da escola pressupõe a concepção pela escola de uma identidade ou de uma imagem de marca própria, resultante da capacidade de definir ou redefinir a sua missão e objectivos (com respeito pelos do sistema educativo), projectar, organizar e controlar de forma sistemática o desenvolvimento das suas actividades em função do contexto em que se insere e com o envolvimento dos diversos parceiros, de modo a que, pela qualidade e especificidade do serviço educativo prestado, a escola possa diferenciar-se positivamente das outras, respondendo às demandas sociais, sem ignorar as normas e orientações gerais do sistema.

Essa identidade é construída no interior das organizações educativas, através da capacidade dos seus órgãos de escolher e implementar o modelo de gestão que mais sirva aos interesses da comunidade educativa. Para atingir este estádio de desenvolvimento, as instituições educativas devem assumir protagonismo no que concerne à elaboração da política educativa a ser seguida, à sua execução e avaliação.

Assim, um instrumento fundamental da política educativa da escola e, por conseguinte, da construção da sua autonomia, é o seu Projecto Educativo, de que já falamos amplamente.

À luz do quadro legal vigente em Cabo Verde, podemos facilmente constatar que, em Cabo Verde, tanto as escolas básicas como as escolas secundárias regem-se por normas que favorecem e estimulam, em larga medida, a sua autonomia – administrativa, pedagógica, financeira, disciplinar -, ainda que as primeiras careçam de normas específicas de enquadramento das diversas iniciativas que podem e têm vindo a levar a cabo.

Assim, constata-se que, a nível das nossas escolas, existe uma praxe de liberdade e de iniciativa, bem como de assunção gradativa do poder de decisão em diversos aspectos da sua organização e funcionamento, nomeadamente: o planeamento das actividades; a mobilização e utilização de recursos; a introdução de inovações nos métodos e técnicas de trabalho pedagógico; o controlo da disciplina dos agentes educativos; a avaliação dos alunos, professores e demais funcionários; a manutenção, a conservação e o melhoramento das instalações e equipamentos; a ligação com as famílias e a comunidade e o desenvolvimento de parcerias diversas; a realização de actividades extra-escolares; a formação e a capacitação em exercício do pessoal docente; a recuperação de alunos com dificuldades de aprendizagem; a orientação vocacional e profissional dos alunos; a promoção de valores cívicos, culturais e éticos; a promoção da segurança na escola, etc., etc.

O desenvolvimento ulterior do processo de autonomia das escolas depende, em grande medida, do desenvolvimento da capacidade institucional das escolas, mediante a motivação, a formação e capacitação dos membros dos diferentes órgãos e serviços, mas, sobretudo, do fomento da iniciativa criadora das instituições educativas a diversos níveis, devendo os organismos de nível intermédio e superior (designadamente Delegações e serviços centrais do Ministério e Escolas) desempenhar o papel de facilitadores e encorajadores das iniciativas de base, ou seja, das escolas, banindo atitudes e práticas centralizadoras e castradoras da liberdade de criação, inovação, modernização e desenvolvimento das praxes educativas e de gestão escolar.

Porém, é evidente que a capacidade de iniciativa é algo que deve ser objecto de aprimoramento. Nessa perspectiva, a elaboração, a execução e a avaliação, de forma amplamente participada, dos instrumentos de gestão, em especial dos projectos educativos de escola e do concelho, constituem vias efectivas de afirmação da autonomia das instituições educativas, em prol da prestação de um serviço educativo de qualidade cada vez maior.

Efectivamente, as normas jurídicas deixam campo vasto para as instituições educativas agirem de forma criativa e dinâmica, inovando nos seus processos de gestão e de desempenho e procurando formas adequadas de acrescentar valor aos serviços que prestam à comunidade, com o envolvimento desta, dos parceiros e, em particular, dos agentes educativos.

É caso para se dizer que, contrariamente ao que se passa noutras paragens, em que as escolas reivindicam autonomia, em Cabo Verde, sem que se chegue ao ponto de “decretar” (no sentido de impor) autonomia, existe um quadro legal que estimula os estabelecimento de educação e ensino na construção efectiva da sua autonomia, importando que os mesmos tirem partido das inúmeras janelas de oportunidades que se lhes oferecem para projectar e realizar, em bases cada vez mais inovadoras, a educação de que se precisa para o novo milénio.

4. A autonomia e os instrumentos de gestão das escolas

No processo de construção e conquista da sua autonomia, as escolas básicas e secundárias, assim como quaisquer outras instituições educativas em Cabo Verde, devem organizar o cumprimento da sua missão através de instrumentos de gestão previsional, ou de planeamento, cuja execução deve ser objecto de avaliação, conduzindo, assim, à elaboração dos correlativos instrumentos de prestação de contas.

4.1. Instrumentos de gestão previsional

De entre os instrumentos de gestão previsional destacam-se:
a) Os planos de médio ou longo prazo - A nível das escolas secundárias, estes planos denominam de Projectos Educativos (objecto de tratamento noutro capítulo), o quais podem e devem ser igualmente elaborados a nível dos concelhos e das escolas básicas, não por “imposição” legal explícita, mas por decorrência implícita desse mesmo quadro legal, que confere às Delegações concelhias e ao Conselho do Pólo competência genérica definir “estratégias” de acção educativa (ver “Regime Jurídico do Planeamento Educativo em Cabo Verde), bem assim de orientações e práticas recomendadas e, de algum modo, desenvolvidas com o impulso do Ministério da Educação. Como referimos noutro local, o Projecto Educativo (de médio ou longo prazo) tem carácter abrangente ou sistémico, devendo seguir um quadro lógico que inclua o diagnóstico da situação, a definição da missão e dos valores da escola, a definição dos objectivos estratégicos, das acções e projectos conducentes à realização desses objectivos, do respectivo cronograma geral, assim como dos resultados esperados, meios e recursos a serem mobilizados, mecanismos de acompanhamento e avaliação.

b) Os planos operativos ou de curto prazo – De periodicidade anual ou plurianual, estes planos não só estão previstos nas normas específicas por que se regem as diferentes instituições educativas públicas como na lei geral, que consagra a obrigatoriedade de elaboração de planos de actividades, nos quais se devem estar contidos, entre outros: os objectivos estratégicos em que se baseiam; os objectivos específicos que prosseguem; as metas ou resultados concretos preconizados; as actividades a realizar e o respectivo cronograma; os responsáveis pela execução; os recursos necessários; as formas de verificação do cumprimento.

c) O orçamento – O orçamento é o plano financeiro e, normalmente, tem duração anual, embora se fale de orçamentos-programas, que têm maior longevidade e obedecem a uma filosofia de gestão própria. O orçamento consiste na previsão realista das receitas a serem arrecadadas e das despesas a efectuar, tendo em conta as tendências dos anos anteriores, o contexto em que se actua, a natureza e a magnitude das tarefas planificadas e as possibilidades de mobilização dos recursos, além, obviamente, das disposições legais aplicáveis. A nível da Escola Secundária, que possui um orçamento privativo, existe um modelo próprio de orçamento, acontecendo algo similar nas delegações, cujo orçamento se integra no do Ministério. Já nas escolas básicas, não existe um formulário de orçamento, que, no entanto, pode inspirar-se no das escolas secundárias, discriminando, na coluna das receitas, as actividades de geração de fundos (rubricas de receitas) e os respectivos montantes, enquanto que na coluna das despesas, se discriminam os previsíveis encargos, descrevendo os montantes, igualmente, por rubrica.

4.2. Instrumentos de prestação de contas

A autonomia processa-se num quadro de assunção da responsabilidade das instituições e dos agentes educativos, que devem cumprir as normas reguladoras da sua autonomia, designadamente através de instrumentos de prestação de contas, de que se destacam os seguintes:

a) O relatório anual de actividades – Trata-se de um documento no qual se espelha a execução do plano de actividades, apresentando-se, de forma circunstanciada, as acções levadas a cabo, analisando-se os resultados alcançados, assim como eventuais constrangimentos ou insucessos. Não sendo um mero reportório de realizações, o relatório é um instrumento de autoavaliação, logo de análise do percurso feito, devendo apresentar sugestões de melhoria para o ano subsequente.

b) Os balancetes mensais (e trimestrais, no caso das escolas secundárias) – Destinam-se a acompanhar e a reflectir a execução orçamental de cada mês, com a contabilização, por capítulo e rubrica, das receitas obtidas e das despesas efectuadas, indicando-se o saldo que transita para o mesmo seguinte. A lei só regula esta matéria em relação às escolas secundárias, mas constitui boa prática de gestão a sua elaboração pelas instituições educativas em geral, concluindo as escolas básicas e as delegações, podendo os modelos adoptados para as escolas secundárias servir de inspiração. Os balancetes trimestrais das escolas secundárias devem ser remetidas ao Ministério da Educação, para apreciação e seguimento.

c) A conta de gerência – Elaborada no fim do ano, com base na execução orçamental, constitui a síntese dos balancetes mensais e uma forma de prestar contas na gestão dos recursos financeiros. Trata-se de um balanço financeiro que deve espelhar como o orçamento foi executado, detalhando, por capítulos e rubricas, as receitas angariadas e as despesas efectuadas, com o apuramento do saldo para o ano seguinte. Só a escola secundária pública está obrigada a apresentar a conta de gerência que é submetida ao Ministério da Educação, para apreciação, e ao Tribunal de Contas, para julgamento. A conta de gerência permite espelhar em que medida os recursos financeiros são utilizados de modo a promover a iniciativa e a autonomia das escolas, servindo como referencial importante para a adopção de medidas correctivas.

Tanto os instrumentos de gestão previsional como os de prestação de contas devem ser aprovados pelos órgãos de direcção colegial das escolas e representativos da comunidade educativa (Conselho do Pólo e Assembleia da Escola), sendo elaborados pelos correspondentes órgãos executivos ou administrativos (Gestor do Pólo e Conselho Directivo).


Bartolomeu Varela
[1] Adaptado do Manual de Administração Escolar (2006), do autor.
[2] Cf. Decreto-Lei nº 77/94, de 27 de Dezembro

Regime jurídico e prática do planeamento educativo em Cabo Verde

O regime jurídico e a prática de planeamento educativo em Cabo Verde[1]


1. O Planeamento Educativo a nível central

Desde os primórdios da Independência, Cabo Verde, país de parcos recursos naturais, reconheceu o papel do planeamento na promoção do desenvolvimento nacional, tendo elaborado planos, geralmente quinquenais, largamente financiados por recursos disponibilizados pela cooperação internacional, abarcando os diversos sectores da vida nacional, designadamente o da educação, no entendimento de que o homem cabo-verdiano constitui, potencialmente, a maior riqueza do país

Assim, o Planeamento da Educação Nacional acompanhou, desde cedo, o processo de planeamento do desenvolvimento, fazendo parte integrante deste. Na verdade, os sucessivos ministérios da educação que o país conheceu deram sempre relevância ao planeamento da educação nacional, quer numa perspectiva de médio e longo prazos, quer em termos de curto prazo, com acções delineadas para horizontes temporais de um ano (planos anuais), quer através de projectos específicos, de duração variável.

Actualmente, o Planeamento do Sistema Educativo é coordenado, tecnicamente, a nível nacional, pelo serviço central de estudos e planeamento do Ministério da Educação, denominado Gabinete de Estudos e Planeamento[2], a quem compete, nos termos da Lei Orgânica do Ministério da Educação assegurar “estudos e apoio técnico especializado na concepção, planeamento, elaboração e seguimento das políticas que o Ministério deve levar a cabo, nos seus vários domínios …

Nos termos da Lei Orgânica do Ministério da Educação, o GEP integra as Direcções de Serviço de Cooperação e de Informação e Planeamento, cujas competências, de desenvolvimento e concretização das referidas cima, ficando cometidas a esta ultima responsabilidades especificas no domínio dos estudos e do planeamento estratégico (ex: Plano Nacional de Desenvolvimento, Plano Nacional de Educação para Todos) e do planeamento operacional (planos anuais, planos anuais de investimentos).

Entretanto, a existência do GEP não impede a intervenção de outros órgãos e serviços do Ministério da Educação no processo de planeamento. Pelo contrário, todos eles, enquanto partes integrantes do sistema educativo, actuam com base em planos de actividades, de duração variável (1 a 2 anos, semestre, etc.), ao mesmo tempo que participam, em razão da matéria, nos processos de planeamento educacional e na elaboração de programas e projectos estruturantes para o sector da educação. O GEP aparece assim como o organismo integrador e coordenador das diversas componentes do processo de planeamento educativo, assegurando a coerência global dos planos institucionais ou departamentais.

Actualmente, os principais instrumentos de planeamento educativo, a nível central, são: o Plano Nacional de Desenvolvimento – sector da Educação, para a IV Legislatura; o Plano Estratégico da Educação (2002-15) e o Plano Nacional de Educação para Todos. Além destes planos, de carácter estratégico, a que já nos referimos, sumariamente, noutro local, destacam-se diversos instrumentos de planeamento de menor alcance, que estão em função daqueles, com incidência nacional ou regional e com financiamento de diversa origem.

2. O Planeamento Educativo Local

Além do nível central de planeamento, existem práticas de planeamento local, protagonizadas pelos serviços desconcentrados e de base territorial, que são as Delegações do Ministério, cujos planos, inspirando-se nas directivas centrais e nas iniciativas das ecolas, podem e devem, ao mesmo tempo, contribuir para o planeamento que tem lugar a nível central e bem assim nas instituições escolares das respectivas áreas de actuação.

Compete, nomeadamente, às Delegações do Ministério da Educação assegurar a “elaboração da estratégia de desenvolvimento da educação ” no concelho e bem assim a adopção de “planos de actividades”, sempre tendo em conta as “orientações básicas e os objectivos fixados pelo Ministério”, [3] patenteando-se, assim, a existência de dois níveis de planeamento educativo local (concelhio): o estratégico e o operacional.
O Planeamento Educativo Local, tendo um âmbito mais alargado que o Projecto Educativo de Escola, é um instrumento de planeamento estratégico que procura congregar as diferentes escolas e um conjunto alargado de parceiros na definição e execução de uma política educativa local, tendo, por isso na sua elaboração uma forte dimensão de negociação.
Construir o bem comum local, entendido como a definição local do interesse geral, não é uma tarefa pacífica, nem fácil. Na definição desta política educativa local, os intervenientes são mais numerosos, os interesses mais diversificados e, por vezes, concorrenciais, sendo múltiplas as dependências hierárquicas, pelo que concertação se torna uma tarefa exigente.
O PLaneamento Educativo Local, enquanto instrumento de realização de uma política educativa local, articula as ofertas educativas existentes, promove a interacção entre os diversos organismos e serviços locais com os serviços educativos, potencia a gestão integrada dos recursos e enquadra a intervenção educativa numa perspectiva de desenvolvimento da comunidade, procurando harmonizar as políticas educativas globais com as opões de política, as demandas e especificidades locais.
Em termos estratégicos, o Planeamento Educativo Local exprime-se através do Projecto Educativo Local, que, em Cabo Verde, chegou a ter outras denominações, como as de “Projecto Educativo de Concelho" e o "Plano Concelhio de Desenvolvimento da Educação. Este tipo de planeamento, de médio ou longo prazo, pode e deve ser assumido pelas delegações do departamento governamental responsável pela área da educação como instrumento de projecto da política educativa no concelho, integrando e dando coerência a acção educativa das diferentes instituições de educação e ensino da circunscrição.

Os planos das delegações e bem assim os das escolas têm conhecido globalmente uma evolução algo positiva, mas de forma heterogénea, em função de factores diversos, como as mudanças a nível das lideranças locais (delegados, coordenadores, directores e gestores), a existência ou não de Projectos com incidência local financiados pela Cooperação Internacional, entre outros.

3. O Planeamento Escolar

A nível das Escolas, ­é ainda incipiente a pratica de planeamento de médio prazo, havendo, contudo, a registar-se algumas experiências de elaboração de Projectos Educativos de Escola, tamb­ém denominados Planos de Desenvolvimento da Escola.

Em termos de planeamento de curto prazo, quase sempre são elaborados planos de actividades, geralmente anuais, havendo, outrossim, a registar-se numerosos casos de elaboração e implementação de Projectos Pedagógicos pontuais, para a resolução de problemas concretos das escolas, envolvendo parceiros e comunidades locais.

Em todo o caso, a legislação vigente preconiza a elaboração de instrumentos de planeamento educativo escolar. Assim, a nível das Escolas Secundarias[4], compete à Assembleia da Escola aprovar, sob proposta do Conselho Directivo:
a) O projecto educativo de escola[5];
b) Os planos plurianual e anual de actividades;
c) O orçamento privativo da escola (plano financeiro anual que prevê recursos para o financiamento dos anteriores instrumentos de planeamento).

A nível das escolas básicas, embora, nalguns casos, se faça um planeamento educativo de médio prazo, como o atestam alguns projectos educativos ou planos de desenvolvimento de escola chegados ao nosso conhecimento, a legislação vigente não obriga, expressamente, à elaboração desses planos. Todavia, a lei não exclui tal possibilidade, que está implícita da definição do Conselho do Pólo como um órgão “responsável pela orientação das actividades com vista ao desenvolvimento global e equilibrado da educação na zona educativa”, desiderato que só pode ser alcançado mediante uma abordagem estratégica da problemática da educação.

Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas que lhes são próprias, as disposições normativas aplicáveis ao sistema educativo e a legislação nacional, têm, pois, a incumbência e a oportunidade de elaborar e executar a sua “proposta pedagógica" de médio prazo, traduzindo, aliás, a premissa segundo a qual a escola não pode prescindir da reflexão sobre sua intencionalidade educativa.

Já em relação planeamento operacional ou de curto prazo, a lei atribui expressamente ao Conselho do Pólo competência para aprovar alguns instrumentos, como o plano anual de actividades e o orçamento anual do Pólo, por proposta da Direcção do Pólo, confiada ao Gestor[6].

4. O Planeamento pedagógico docente

Se a legislação vigente não regula expressamente o planeamento da actividade docente, tal obrigatoriedade deriva da análise conjugada de diversos normativos constantes do respectivo estatuto[7], designadamente quando são reconhecidos aos professores direitos de “participar no funcionamento do sistema educativo” e na “orientação pedagógica dos estabelecimentos de ensino” ou lhe são cometidos deveres orientados no sentido da “excelência” do seu desempenho, contribuindo para a “formação e realização integral dos alunos”.
Em todo o caso, a nível dos docentes dos estabelecimentos de educação e ensino, a prática da planificação pedagógica é um dado adquirido, devendo destacar-se a planificação concertada a nível das diversas disciplinas curriculares, por períodos de tempo variáveis – semanais, quinzenais, mensais, trimestrais, etc. –, geralmente sob o impulso e a dinamização dos delegados e coordenadores pedagógicos concelhios, gestores e membros de núcleos pedagógicos, a nível das escolas básicas, e dos directores, conselhos pedagógicos e coordenadores de disciplina, a nível das escolas secundárias.

Por outro lado, os docentes elaboram, individualmente, e com certa regularidade, os chamados planos de aula, que constituem projectos pedagógicos diários, geralmente por disciplina e, mais raramente, numa perspectiva global e sincrónica, com a integração das diversas áreas disciplinares em função dos centros de interesses ou projectos integrados de acção pedagógica.

Do que fica, sumariamente, referido, conclui-se que não só existe um quadro legal que preconiza o planeamento educativo, a diversos níveis do sistema educativo, como existe uma prática de planeamento nesses mesmos níveis. A questão que se pode e se deve colocar tem a ver com a regularidade desse planeamento, a interligação dos planos dos diversos níveis, a qualidade intrínseca dos planos e a sua efectiva implementação, em ordem à consecução dos objectivos e metas delineados, em prol da prestação de um serviço educativo com a qualidade almejada pela sociedade.

Bartolomeu Varela
[1] Extractos do Manual de Administração Escolar (2006) e do Manual de Direito Educativo (2006), ambos do autor.
[2] A aprovação dos instrumentos de planeamento estratégico da educação compete, obviamente, ao Poder Político.
[3] Veja-se o Decreto-Regulamentar nº 4/98, de 27 de Abril.
[4] Cf. Decreto-Lei 20/2002, de 19 de Agosto.
[5] Na elaboração do projecto educativo da escola, o Decreto-Lei 20/2002, atrás citado, preconiza o envolvimento do Conselho Pedagógico, a quem compete a elaboração das linhas gerais do mesmo projecto, cujo processo de elaboração é, entretanto, liderado pelo Conselho Directivo.
[6] Vide Decreto-Lei nº 76/94, de 27 de Dezembro.
[7] Vide novo Estatuto do Pessoal Docente dos estabelecimentos de educação pré-escolar e básica, do ensino secundário e da alfabetização e educação dos adultos, aprovado pelo Decreto-Legislativo nº 2/2004, de 29 de Março.

Regime jurídico e prática do planeamento educativo em Cabo Verde

O regime jurídico e a prática de planeamento educativo em Cabo Verde[1]


1. O Planeamento Educativo a nível central

Desde os primórdios da Independência, Cabo Verde, país de parcos recursos naturais, reconheceu o papel do planeamento na promoção do desenvolvimento nacional, tendo elaborado planos, geralmente quinquenais, largamente financiados por recursos disponibilizados pela cooperação internacional, abarcando os diversos sectores da vida nacional, designadamente o da educação, no entendimento de que o homem cabo-verdiano constitui, potencialmente, a maior riqueza do país

Assim, o Planeamento da Educação Nacional acompanhou, desde cedo, o processo de planeamento do desenvolvimento, fazendo parte integrante deste. Na verdade, os sucessivos ministérios da educação que o país conheceu deram sempre relevância ao planeamento da educação nacional, quer numa perspectiva de médio e longo prazos, quer em termos de curto prazo, com acções delineadas para horizontes temporais de um ano (planos anuais), quer através de projectos específicos, de duração variável.

Actualmente, o Planeamento do Sistema Educativo é coordenado, tecnicamente, a nível nacional, pelo serviço central de estudos e planeamento do Ministério da Educação, denominado Gabinete de Estudos e Planeamento[2], a quem compete, nos termos da Lei Orgânica do Ministério da Educação assegurar “estudos e apoio técnico especializado na concepção, planeamento, elaboração e seguimento das políticas que o Ministério deve levar a cabo, nos seus vários domínios …

Nos termos da Lei Orgânica do Ministério da Educação, o GEP integra as Direcções de Serviço de Cooperação e de Informação e Planeamento, cujas competências, de desenvolvimento e concretização das referidas cima, ficando cometidas a esta ultima responsabilidades especificas no domínio dos estudos e do planeamento estratégico (ex: Plano Nacional de Desenvolvimento, Plano Nacional de Educação para Todos) e do planeamento operacional (planos anuais, planos anuais de investimentos).

Entretanto, a existência do GEP não impede a intervenção de outros órgãos e serviços do Ministério da Educação no processo de planeamento. Pelo contrário, todos eles, enquanto partes integrantes do sistema educativo, actuam com base em planos de actividades, de duração variável (1 a 2 anos, semestre, etc.), ao mesmo tempo que participam, em razão da matéria, nos processos de planeamento educacional e na elaboração de programas e projectos estruturantes para o sector da educação. O GEP aparece assim como o organismo integrador e coordenador das diversas componentes do processo de planeamento educativo, assegurando a coerência global dos planos institucionais ou departamentais.

Actualmente, os principais instrumentos de planeamento educativo, a nível central, são: o Plano Nacional de Desenvolvimento – sector da Educação, para a IV Legislatura; o Plano Estratégico da Educação (2002-15) e o Plano Nacional de Educação para Todos. Além destes planos, de carácter estratégico, a que já nos referimos, sumariamente, noutro local, destacam-se diversos instrumentos de planeamento de menor alcance, que estão em função daqueles, com incidência nacional ou regional e com financiamento de diversa origem.

2. O Planeamento Educativo Local

Além do nível central de planeamento, existem práticas de planeamento local, protagonizadas pelos serviços desconcentrados e de base territorial, que são as Delegações do Ministério, cujos planos, inspirando-se nas directivas centrais e nas iniciativas das ecolas, podem e devem, ao mesmo tempo, contribuir para o planeamento que tem lugar a nível central e bem assim nas instituições escolares das respectivas áreas de actuação.

Compete, nomeadamente, às Delegações do Ministério da Educação assegurar a “elaboração da estratégia de desenvolvimento da educação ” no concelho e bem assim a adopção de “planos de actividades”, sempre tendo em conta as “orientações básicas e os objectivos fixados pelo Ministério”, [3] patenteando-se, assim, a existência de dois níveis de planeamento educativo local (concelhio): o estratégico e o operacional.
O Planeamento Educativo Local, tendo um âmbito mais alargado que o Projecto Educativo de Escola, é um instrumento de planeamento estratégico que procura congregar as diferentes escolas e um conjunto alargado de parceiros na definição e execução de uma política educativa local, tendo, por isso na sua elaboração uma forte dimensão de negociação.
Construir o bem comum local, entendido como a definição local do interesse geral, não é uma tarefa pacífica, nem fácil. Na definição desta política educativa local, os intervenientes são mais numerosos, os interesses mais diversificados e, por vezes, concorrenciais, sendo múltiplas as dependências hierárquicas, pelo que concertação se torna uma tarefa exigente.
O PLaneamento Educativo Local, enquanto instrumento de realização de uma política educativa local, articula as ofertas educativas existentes, promove a interacção entre os diversos organismos e serviços locais com os serviços educativos, potencia a gestão integrada dos recursos e enquadra a intervenção educativa numa perspectiva de desenvolvimento da comunidade, procurando harmonizar as políticas educativas globais com as opões de política, as demandas e especificidades locais.
Em termos estratégicos, o Planeamento Educativo Local exprime-se através do Projecto Educativo Local, que, em Cabo Verde, chegou a ter outras denominações, como as de “Projecto Educativo de Concelho" e o "Plano Concelhio de Desenvolvimento da Educação. Este tipo de planeamento, de médio ou longo prazo, pode e deve ser assumido pelas delegações do departamento governamental responsável pela área da educação como instrumento de projecto da política educativa no concelho, integrando e dando coerência a acção educativa das diferentes instituições de educação e ensino da circunscrição.

Os planos das delegações e bem assim os das escolas têm conhecido globalmente uma evolução algo positiva, mas de forma heterogénea, em função de factores diversos, como as mudanças a nível das lideranças locais (delegados, coordenadores, directores e gestores), a existência ou não de Projectos com incidência local financiados pela Cooperação Internacional, entre outros.

3. O Planeamento Escolar

A nível das Escolas, ­é ainda incipiente a pratica de planeamento de médio prazo, havendo, contudo, a registar-se algumas experiências de elaboração de Projectos Educativos de Escola, tamb­ém denominados Planos de Desenvolvimento da Escola.

Em termos de planeamento de curto prazo, quase sempre são elaborados planos de actividades, geralmente anuais, havendo, outrossim, a registar-se numerosos casos de elaboração e implementação de Projectos Pedagógicos pontuais, para a resolução de problemas concretos das escolas, envolvendo parceiros e comunidades locais.

Em todo o caso, a legislação vigente preconiza a elaboração de instrumentos de planeamento educativo escolar. Assim, a nível das Escolas Secundarias[4], compete à Assembleia da Escola aprovar, sob proposta do Conselho Directivo:
a) O projecto educativo de escola[5];
b) Os planos plurianual e anual de actividades;
c) O orçamento privativo da escola (plano financeiro anual que prevê recursos para o financiamento dos anteriores instrumentos de planeamento).

A nível das escolas básicas, embora, nalguns casos, se faça um planeamento educativo de médio prazo, como o atestam alguns projectos educativos ou planos de desenvolvimento de escola chegados ao nosso conhecimento, a legislação vigente não obriga, expressamente, à elaboração desses planos. Todavia, a lei não exclui tal possibilidade, que está implícita da definição do Conselho do Pólo como um órgão “responsável pela orientação das actividades com vista ao desenvolvimento global e equilibrado da educação na zona educativa”, desiderato que só pode ser alcançado mediante uma abordagem estratégica da problemática da educação.

Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas que lhes são próprias, as disposições normativas aplicáveis ao sistema educativo e a legislação nacional, têm, pois, a incumbência e a oportunidade de elaborar e executar a sua “proposta pedagógica" de médio prazo, traduzindo, aliás, a premissa segundo a qual a escola não pode prescindir da reflexão sobre sua intencionalidade educativa.

Já em relação planeamento operacional ou de curto prazo, a lei atribui expressamente ao Conselho do Pólo competência para aprovar alguns instrumentos, como o plano anual de actividades e o orçamento anual do Pólo, por proposta da Direcção do Pólo, confiada ao Gestor[6].

4. O Planeamento pedagógico docente

Se a legislação vigente não regula expressamente o planeamento da actividade docente, tal obrigatoriedade deriva da análise conjugada de diversos normativos constantes do respectivo estatuto[7], designadamente quando são reconhecidos aos professores direitos de “participar no funcionamento do sistema educativo” e na “orientação pedagógica dos estabelecimentos de ensino” ou lhe são cometidos deveres orientados no sentido da “excelência” do seu desempenho, contribuindo para a “formação e realização integral dos alunos”.
Em todo o caso, a nível dos docentes dos estabelecimentos de educação e ensino, a prática da planificação pedagógica é um dado adquirido, devendo destacar-se a planificação concertada a nível das diversas disciplinas curriculares, por períodos de tempo variáveis – semanais, quinzenais, mensais, trimestrais, etc. –, geralmente sob o impulso e a dinamização dos delegados e coordenadores pedagógicos concelhios, gestores e membros de núcleos pedagógicos, a nível das escolas básicas, e dos directores, conselhos pedagógicos e coordenadores de disciplina, a nível das escolas secundárias.

Por outro lado, os docentes elaboram, individualmente, e com certa regularidade, os chamados planos de aula, que constituem projectos pedagógicos diários, geralmente por disciplina e, mais raramente, numa perspectiva global e sincrónica, com a integração das diversas áreas disciplinares em função dos centros de interesses ou projectos integrados de acção pedagógica.

Do que fica, sumariamente, referido, conclui-se que não só existe um quadro legal que preconiza o planeamento educativo, a diversos níveis do sistema educativo, como existe uma prática de planeamento nesses mesmos níveis. A questão que se pode e se deve colocar tem a ver com a regularidade desse planeamento, a interligação dos planos dos diversos níveis, a qualidade intrínseca dos planos e a sua efectiva implementação, em ordem à consecução dos objectivos e metas delineados, em prol da prestação de um serviço educativo com a qualidade almejada pela sociedade.

Bartolomeu Varela
[1] Extractos do Manual de Administração Escolar (2006) e do Manual de Direito Educativo (2006), ambos do autor.
[2] A aprovação dos instrumentos de planeamento estratégico da educação compete, obviamente, ao Poder Político.
[3] Veja-se o Decreto-Regulamentar nº 4/98, de 27 de Abril.
[4] Cf. Decreto-Lei 20/2002, de 19 de Agosto.
[5] Na elaboração do projecto educativo da escola, o Decreto-Lei 20/2002, atrás citado, preconiza o envolvimento do Conselho Pedagógico, a quem compete a elaboração das linhas gerais do mesmo projecto, cujo processo de elaboração é, entretanto, liderado pelo Conselho Directivo.
[6] Vide Decreto-Lei nº 76/94, de 27 de Dezembro.
[7] Vide novo Estatuto do Pessoal Docente dos estabelecimentos de educação pré-escolar e básica, do ensino secundário e da alfabetização e educação dos adultos, aprovado pelo Decreto-Legislativo nº 2/2004, de 29 de Março.

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